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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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CRIME E CASTIGO

O monstruoso assassinato do casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé deixou o país profundamente indignado. O caso repugna qualquer um que preserve mínimas noções de convívio social, justiça, respeito à vida e dignidade humana. Agrava esse sentimento o fato de vivermos numa sociedade amedrontada pela banalização do crime, na qual a sensação de insegurança e impunidade -já tremenda- é crescente. Mais do que considerações sobre direitos e justiça, o crime despertou um imediato e compreensível desejo de vingança. E ele foi aguçado pela percepção de que a brutalidade do homicídio contrasta com a internação máxima de três anos reservada ao adolescente que teria liderado a súcia assassina.
Cobram-se, portanto, medidas mais graves do Estado. Reclama-se entre outras, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. A Folha tem tradicionalmente se manifestado contra essa aparente solução e publicou recentemente editorial com argumentos nesse sentido.
Agora, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, provavelmente percebendo a oportunidade política que se lhe descortina, reagiu propondo alterações no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) de modo a permitir internações por prazo mais dilatado. Pelo projeto, menores poderiam, como regra, ficar reclusos por até oito anos. Em casos de reiteração, o período chegaria a dez anos.
Faz mais sentido, de fato, a idéia de modificar o ECA, e não a Constituição, que estabelece a maioridade penal no entender de alguns juristas em cláusula pétrea, portanto, imune a emendas. O ECA, sem dúvida, está longe de ser uma peça jurídica perfeita e, entre outras melhorias, poderia ser alterado para comportar medidas socioeducativas mais severas -não necessariamente os oito ou dez anos de Alckmin- aplicáveis aos que cometam crimes de maior gravidade.
O agravamento das sanções seria um fator a mais de intimidação e contribuiria para desfazer o sentimento de desproporção entre certos delitos cometidos por menores e suas consequências legais.
Tão importante, porém, quanto aperfeiçoar o estatuto -ou provavelmente ainda mais- é cumpri-lo. Aqui, o ímpeto do governador em apresentar mudanças na lei contrasta com os péssimos resultados apresentados pela Febem paulista.
Se queremos que as unidades de internamento deixem de ser escolas do crime e se tornem lugares em que parte dos menores pelo menos conseguirá ressocializar-se, é preciso adotar uma série de medidas previstas no ECA que nem sempre são cumpridas. Separar os adolescentes por periculosidade, por tipo de delito e por porte físico é apenas o começo. Dar-lhes condições de estudar e de aprender uma profissão é um prosseguimento fundamental.
Dirão alguns que a recuperação em certos casos é impossível. Talvez de fato o seja. Não há, contudo, como a lei tornar a humanidade perfeita ou plenamente corrigível. Restaria, nesse caso, advogar a prisão perpétua ou, como pretendem alguns, a pena de morte. Ainda assim, nada indica, nos países que adotam esses mecanismos, que eles tenham efeito sobre os índices de criminalidade ou sobre a repetição, ao longo do tempo, de casos bárbaros de assassinato.
O que realmente diminui a ocorrência de crimes, além de mais educação, mais oportunidade de trabalho e menos desigualdade, é a certeza de que não haverá impunidade. Os escandalosos índices de violência brasileiros baixarão quando tivermos uma polícia firme e preparada que investigue, prenda e reúna provas consistentes, um Judiciário que julgue em tempo hábil e um sistema penitenciário eficiente. Cumprisse o Estado a legislação já existente de combate ao crime e enfrentasse o dramático apartheid social, o que hoje se apresenta à sociedade como regra poderia, enfim, surgir como tristes e lamentáveis exceções.



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