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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

João Carlos Martins

São raras as vezes em que o público se alegra com a despedida de um artista.
Despedidas são marcadas por melancolia e tristeza de seus admiradores. Este, porém, não foi o caso da retirada de João Carlos Martins como pianista. Ao contrário, o concerto realizado na última segunda-feira, na Sala São Paulo, foi dominado por uma inusitada alegria, que tomou conta do público que ali assistiu à metamorfose de um grande pianista em um magnífico maestro.
A estréia do novo regente foi das mais festivas. Havia anos que os seus impedimentos físicos vinham gerando apreensão entre os amantes da música. Especialista em Bach, Martins dominou um dos mais completos repertórios para piano solo, música de câmara e peças orquestrais, tendo obtido o reconhecimento do mundo inteiro.
Jamais se deixou abater pela infelicidade da doença que atingiu suas mãos. Como executante da mão esquerda, o artista firmou-se junto aos públicos e críticos dos mais exigentes dada a beleza de sua interpretação. Nessas condições, o pianista ofereceu a todos, e por muitos anos, o que há de mais precioso na arte do piano. Despediu-se dos brasileiros executando um emocionante, comovente e inesquecível hino nacional.
Martins teria tudo para retirar-se da vida artística, mas o pianista sempre buscou forças adicionais, forças essas que o levaram ao ofício de regente e, já na primeira apresentação, o fez com o maior brilho, conduzindo a orquestra sem o apoio de partitura, porque João Carlos Martins conta, inquestionavelmente, com o apoio de Deus.
Mais tocante foi descobrir os passos iniciais da nova caminhada do maestro. Com a alma desprendida e com enorme amor ao próximo, João Carlos juntou-se ao maestro Silvio Baccarelli para ensinar e reger músicos humildes que moram no conjunto de Heliópolis, na periferia de São Paulo, em uma época em que poucos põem fé na veia artística dos brasileiros mais simples.
Ledo engano. Aqueles jovens formam hoje uma bela orquestra sinfônica, na qual têm demonstrado a sua enorme vontade de apreender, a sua extraordinária disciplina e a sua alta criatividade -tudo isso exibido ao público em inúmeras apresentações realizadas na capital e no interior de São Paulo.
Juntamente com o maestro Silvio Baccarelli, João Carlos Martins conduzirá os jovens de Heliópolis e muitas outras orquestras que, em pouco tempo, descobrirão sua sublime competência na arte da regência.
Assisti aos últimos concertos do grande pianista e ao primeiro do magnífico regente. A tristeza que me assolou nas apresentações do pianista foi inteiramente substituída pela alegria que dominou minha alma ao assistir ao novo, brilhante e jovem maestro. Parabéns, João Carlos! Continue como sempre -um excepcional artista e um grande brasileiro.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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