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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Do direito de não informar

RIO DE JANEIRO - Evidente, é o progresso. Os meios de comunicação, com os recursos tecnológicos de hoje, colocam os personagens da comédia humana em exposição quase total. Acompanhamos o cotidiano, invadimos a privacidade alheia com as câmaras, os vídeos, as escutas telefônicas, as tomografias computadorizadas dos doentes, o estado terminal dos moribundos.
Desde o pé enfaixado do presidente, as tíbias esquálidas do delegado suspeito de mutretas graves, o aparelho urinário do governador que estava morrendo de câncer generalizado, tudo fica escancarado na TV, nas revistas e nos jornais em nome do sagrado direito que tem o povo de estar informado.
Pessoalmente, não considero sagrado esse direito, duvido até mesmo de que tenhamos o direito de saber tudo de todos. Trabalhei durante anos com um repórter -dos melhores que conheci- que foi entrevistar um deputado recém-eleito, na faixa da meia-idade, e quis saber se ele tomava Viagra.
Certa vez, o fotógrafo de uma revista foi à minha casa e queria fotografar os meus sapatos. O pauteiro da matéria garantira que eu possuía uma esplêndida coleção de sapatos italianos, eu seria uma espécie de Imelda Marcos, a mulher do ditador filipino, que tinha mais de mil pares de sapatos.
Quem estaria interessado nos meus tênis esmolambados, nas vias urinárias do governador já morto, em quem toma ou não toma viagra? Vi, na semana passada, a foto do pé enfaixado de Lula. Recebi uma informação que não me interessava.
Como vingança, darei uma informação que não deve interessar a ninguém: estarei fora do país por uma semana. Pessoas mal informadas, em Paris e em Lyon, querem saber como vai a literatura brasileira. Talvez aproveite a oportunidade e fale sobre a coleção de sapatos italianos que não tenho.



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