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TENDÊNCIAS/DEBATES
Mais polícia e melhores escolas
JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO
Pensar o criminoso como vítima da injustiça social e da pobreza é um dos entraves ideológicos às medidas de redução da violência
O ESTADO de São Paulo deve registrar neste ano 8.000 assassinatos a menos do que em
1999, uma redução de 72%. Nova
York demorou dez anos para façanha
semelhante; Bogotá, 12 anos.
Não estamos nos referindo a uma
cidade, mas a um mosaico de 645 municípios e 40 milhões de habitantes,
com uma das mais complexas áreas
metropolitanas do planeta, onde o desafio da violência parecia insuperável.
Um dos mais extraordinários fenômenos sociais do mundo vem ocorrendo em São Paulo, que está entrando na zona considerada pela ONU como padrão não epidemiológico de
violência, próximo dos dez mortos
por 100 mil habitantes, enquanto o
Brasil ostenta uma taxa que é o triplo.
O sr. Sérgio Salomão Shecaira, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, argumenta ("Tendências/Debates", 30/
10) que, além do esforço policial diferenciado, o fenômeno paulista se deveu também a outros fatores, como a
recuperação do emprego e a retomada econômica.
É curioso que esses fatores também
tenham ocorrido em outras capitais
sem que semelhantes resultados aparecessem. Em Porto Alegre, por
exemplo, cidade com exuberantes
programas sociais, os homicídios
cresceram 16% no primeiro semestre,
enquanto, na capital paulista, houve
queda de 28%.
O que fez diferença em São Paulo
foi o sucesso na organização e na gestão do aparato policial, que quebrou o
ciclo da violência e intimidou os criminosos após prender mais de 700
mil deles em sete anos. Nem o governo federal, nem os intelectuais, nem
os tucanos reconhecem esse fato.
Dois grandes entraves ideológicos
prejudicam sistematicamente as medidas de redução da violência no país.
Um deles é a mania de pensar o criminoso como vítima da pobreza e da
injustiça da sociedade, concedendo-lhe, em decorrência, uma profusão de
benefícios absurdos, como visita íntima nas prisões, liberdade provisória
para autores de crimes hediondos,
volta às ruas dos bandidos após cumprir um sexto da pena, ou considerando cruel e desumano o isolamento em
cela individual dos piores criminosos.
A pobreza não é fator criminógeno
tão poderoso quanto a impunidade,
cujo maior exemplo é o escárnio do
criminoso paraibano Ronaldo Cunha
Lima. Pobres, ricos, pretos, brancos,
eleitos e eleitores cometerão menos
crimes se forem intimidados por
ações competentes e ágeis da polícia e
da Justiça.
Outro entrave é a descrença na capacidade do aparato policial, judicial
e prisional de impor freios aos criminosos e reduzir a violência.
O Ministério da Justiça prefere
priorizar as ações sociais, "indo às raízes da violência" e atuando nas áreas
de "descoesão social", com uma profusão de programas sociais insólitos.
Vinte diferentes programas de uma
dúzia de ministérios destinados a jovens já consomem mais de R$ 1 bilhão
ao ano sem resultados positivos, mas
vão tentar outras alquimias sociais.
Intelectuais têm o direito de oferecer seus expedientes de curandeirismo social para tentar o que não se
conseguiu em nenhum lugar do mundo, a redução da violência de forma
ampla e consistente por intervenções
sociais ou panacéias comunitárias.
O que não faz sentido é que essas
idéias mirabolantes se transformem
em políticas públicas destinadas ao
fracasso, comprometendo instrumentos de controle do crime e prometendo o que não podem cumprir,
com experimentações que não amenizarão a violência.
Para o professor da Universidade
de Chicago (EUA) Gary S. Becker, laureado com o Prêmio Nobel, a equação
é relativamente simples: em curto e
médio prazo, a resposta eficaz da polícia e da Justiça é o principal fator de
redução da violência, reconhecendo
que as raízes sociais são importantes,
mas pouquíssimo se pode fazer para
repará-las mesmo num país rico como os Estados Unidos.
É oportuno lembrar que o verdadeiro programa social que pode interferir na produção de futuros criminosos é a educação.
Temos quase 200 mil equipamentos -as escolas- para esse programa
que precisa de qualidade para vacinar
o jovem contra as influências maléficas do meio social e lhe dar instrumental para conviver sadiamente na
sociedade. Não há programa social
que compense escola ruim.
Temos 7 milhões de jovens zumbis
que abandonaram escolas ruins e estão sem emprego porque não foram
preparados. Lamentavelmente, uma
parte desse fracasso social precisará
de mecanismos de controle para não
ameaçar a sociedade. A polícia existe,
até na Suécia, justamente para isso.
JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO, mestre em psicologia
social pelo Instituto de Psicologia da USP, é coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de segurança pública (2002). Foi consultor do Banco
Mundial e pesquisador do Instituto Fernand Braudel.
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