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Contribuição sindical ou confusão sindical?
HÉLIO ZYLBERSTAJN
Os trabalhadores devem ter o direito de controlar seus representantes, de saber a quem pagam e o que fazem com as contribuições
O DEBATE sobre a contribuição
sindical envolve duas questões
importantes nem sempre devidamente distinguidas pelos debatedores. Uma delas é a compulsoriedade da contribuição, a outra é a sua cobrança. Embora o debate tenha se
concentrado na primeira, a segunda
deveria ser igualmente abordada. Vamos às duas, então.
Comecemos pela compulsoriedade. Para mim, a contribuição sindical
deveria ser obrigatória, mesmo para
os não-associados. Explico.
Quando um sindicato consegue
uma melhoria para os empregados de
uma empresa, a conquista é estendida
a todos os trabalhadores. Por exemplo, quando o sindicato negocia aumento salarial, a empresa não paga o
novo salário só aos associados. Seria
ato discriminatório (portanto, infração à norma constitucional), além de
uma política de gestão bastante questionável (pois criaria insatisfação entre os que não fossem beneficiados).
Para não incorrer nos dois erros, a
empresa estende a todos o benefício
que o sindicato conquistou. Essa situação cria um incentivo ao "caronismo": muitos trabalhadores prefeririam desfrutar dos serviços oferecidos pelo sindicato sem pagar por eles.
Como cidadãos, vivemos situações
parecidas o tempo todo. Todos querem que o Estado ofereça segurança
pública, Justiça, iluminação pública,
saúde pública, defesa nacional e assim por diante. Para financiar esses
serviços, o Estado impõe impostos a
todos. Se os impostos não fossem
compulsórios, muitos cidadãos pegariam carona nos serviços do Estado.
Os economistas chamam esses tipos de serviço de "bens públicos". E
dizem que a única maneira de pagar
pela oferta de um bem público é cobrar compulsoriamente de todos os
beneficiários potenciais.
Como a representação coletiva de
interesses que o sindicato oferece é
um bem público, a cobrança compulsória da contribuição sindical seria
perfeitamente justificada.
Vamos à segunda questão: quem
deveria cobrar a contribuição sindical
compulsória? O importante é lembrar que a compulsoriedade não implica necessariamente que o Estado
seja o cobrador.
A compulsoriedade é direito do sindicato, e não obrigação do Estado.
Desde que foi instituída por Getúlio
Vargas, a contribuição sindical tem sido cobrada pelo Ministério do Trabalho, que fica com 20% da receita. O
resto é dividido entre três níveis de
representação: o sindicato fica com
60%, a federação estadual, com 15%, e
a confederação nacional, com 5%.
O governo Lula acaba de firmar um
acordo pelo qual o Estado vai abrir
mão de metade da sua parcela para
destiná-la às centrais sindicais, que
ainda não participavam da divisão e
que agora ficarão com 10% do bolo.
Claro que esse não é um bom modelo. Os sindicatos e as entidades superiores desfrutam da receita sem exigências de contrapartida. Como conciliar a obrigatoriedade da contribuição com a prestação de serviços e a
efetiva representatividade?
O caminho seria desvincular a compulsoriedade da contribuição (que é
perfeitamente defensável) da garantia do recolhimento. O Estado deixaria de garantir a coleta, só garantiria o
direito do sindicato de cobrar. Ao sindicato caberia a responsabilidade pela cobrança, o esforço de recolher as
contribuições dos trabalhadores, bem
como a decisão de quanto e como repassar a receita para as entidades superiores. Tendo que cobrar diretamente dos trabalhadores, seria mais
pressionado a prestar contas a eles.
O mesmo ocorreria com as entidades superiores. Se quisessem recursos, teriam que negociar com os sindicatos a forma da filiação destes às federações, confederações e centrais.
Parte do poder decisório nas estruturas sindicais seria transferida às instâncias inferiores e o resultado muito
provavelmente seria melhor do que o
que temos observado há sete décadas.
É importante dizer que, quando
Getúlio criou a contribuição sindical
(na época chamada de imposto sindical), estendeu o conceito aos sindicatos patronais também. Portanto, a argumentação acima se aplica igualmente às entidades patronais, que
desfrutam do mesmo tratamento legal concedido aos sindicatos de trabalhadores. A revisão do modelo proposta deve se estender às entidades
patronais por questão de eqüidade.
Se quisermos uma sociedade democrática, precisaremos garantir o
direito dos trabalhadores de ter sua
representação coletiva. Mas os trabalhadores devem também ter o direito
de controlar seus representantes, de
saber a quem estão pagando e o que
estão fazendo com suas contribuições. Está na hora de distinguir essas
duas dimensões e dissociar a contribuição sindical da confusão sindical.
HÉLIO ZYLBERSTAJN, 61, é professor da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da USP e presidente do Ibret (Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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