São Paulo, sexta-feira, 23 de novembro de 2007

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Contribuição sindical ou confusão sindical?

HÉLIO ZYLBERSTAJN

Os trabalhadores devem ter o direito de controlar seus representantes, de saber a quem pagam e o que fazem com as contribuições

O DEBATE sobre a contribuição sindical envolve duas questões importantes nem sempre devidamente distinguidas pelos debatedores. Uma delas é a compulsoriedade da contribuição, a outra é a sua cobrança. Embora o debate tenha se concentrado na primeira, a segunda deveria ser igualmente abordada. Vamos às duas, então.
Comecemos pela compulsoriedade. Para mim, a contribuição sindical deveria ser obrigatória, mesmo para os não-associados. Explico.
Quando um sindicato consegue uma melhoria para os empregados de uma empresa, a conquista é estendida a todos os trabalhadores. Por exemplo, quando o sindicato negocia aumento salarial, a empresa não paga o novo salário só aos associados. Seria ato discriminatório (portanto, infração à norma constitucional), além de uma política de gestão bastante questionável (pois criaria insatisfação entre os que não fossem beneficiados).
Para não incorrer nos dois erros, a empresa estende a todos o benefício que o sindicato conquistou. Essa situação cria um incentivo ao "caronismo": muitos trabalhadores prefeririam desfrutar dos serviços oferecidos pelo sindicato sem pagar por eles.
Como cidadãos, vivemos situações parecidas o tempo todo. Todos querem que o Estado ofereça segurança pública, Justiça, iluminação pública, saúde pública, defesa nacional e assim por diante. Para financiar esses serviços, o Estado impõe impostos a todos. Se os impostos não fossem compulsórios, muitos cidadãos pegariam carona nos serviços do Estado.
Os economistas chamam esses tipos de serviço de "bens públicos". E dizem que a única maneira de pagar pela oferta de um bem público é cobrar compulsoriamente de todos os beneficiários potenciais.
Como a representação coletiva de interesses que o sindicato oferece é um bem público, a cobrança compulsória da contribuição sindical seria perfeitamente justificada.
Vamos à segunda questão: quem deveria cobrar a contribuição sindical compulsória? O importante é lembrar que a compulsoriedade não implica necessariamente que o Estado seja o cobrador.
A compulsoriedade é direito do sindicato, e não obrigação do Estado. Desde que foi instituída por Getúlio Vargas, a contribuição sindical tem sido cobrada pelo Ministério do Trabalho, que fica com 20% da receita. O resto é dividido entre três níveis de representação: o sindicato fica com 60%, a federação estadual, com 15%, e a confederação nacional, com 5%.
O governo Lula acaba de firmar um acordo pelo qual o Estado vai abrir mão de metade da sua parcela para destiná-la às centrais sindicais, que ainda não participavam da divisão e que agora ficarão com 10% do bolo.
Claro que esse não é um bom modelo. Os sindicatos e as entidades superiores desfrutam da receita sem exigências de contrapartida. Como conciliar a obrigatoriedade da contribuição com a prestação de serviços e a efetiva representatividade?
O caminho seria desvincular a compulsoriedade da contribuição (que é perfeitamente defensável) da garantia do recolhimento. O Estado deixaria de garantir a coleta, só garantiria o direito do sindicato de cobrar. Ao sindicato caberia a responsabilidade pela cobrança, o esforço de recolher as contribuições dos trabalhadores, bem como a decisão de quanto e como repassar a receita para as entidades superiores. Tendo que cobrar diretamente dos trabalhadores, seria mais pressionado a prestar contas a eles.
O mesmo ocorreria com as entidades superiores. Se quisessem recursos, teriam que negociar com os sindicatos a forma da filiação destes às federações, confederações e centrais. Parte do poder decisório nas estruturas sindicais seria transferida às instâncias inferiores e o resultado muito provavelmente seria melhor do que o que temos observado há sete décadas.
É importante dizer que, quando Getúlio criou a contribuição sindical (na época chamada de imposto sindical), estendeu o conceito aos sindicatos patronais também. Portanto, a argumentação acima se aplica igualmente às entidades patronais, que desfrutam do mesmo tratamento legal concedido aos sindicatos de trabalhadores. A revisão do modelo proposta deve se estender às entidades patronais por questão de eqüidade.
Se quisermos uma sociedade democrática, precisaremos garantir o direito dos trabalhadores de ter sua representação coletiva. Mas os trabalhadores devem também ter o direito de controlar seus representantes, de saber a quem estão pagando e o que estão fazendo com suas contribuições. Está na hora de distinguir essas duas dimensões e dissociar a contribuição sindical da confusão sindical.


HÉLIO ZYLBERSTAJN, 61, é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e presidente do Ibret (Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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