São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fadiga nas telecomunicações

LUIS CUZA


É urgente reafirmar a concorrência no setor de telecomunicações para garantir a continuidade do modelo institucional vigente


O BRASIL possui uma estratégia clara e bem definida para as telecomunicações. Desenhada principalmente na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de 1997, foi perseguida de forma vibrante nos seus primeiros anos. Depois do ano 2000, as reformas desaceleraram e os avanços foram interrompidos, a tal ponto que esse modelo pode estar em risco.
Em um momento singular da nossa história, justamente quando aspiramos a um maior destaque no cenário internacional, o que é preciso fazer para revigorar a energia que conduziu as primeiras reformas?
O modelo brasileiro de telecomunicações, inicialmente, eliminou o papel do Estado como empresário, visivelmente incapaz de oferecer respostas à rápida dinâmica da tecnologia e dos modelos de negócios.
O novo formato fortaleceu, em contrapartida, a função do governo como regulador, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
As prescrições da LGT são fortemente baseadas na promoção da concorrência, que é uma diretriz central da atuação da agência, ao lado da universalização.
A privatização da Telebrás, em 1998, foi um marco da nova estratégia. A operadora estatal foi leiloada em quatro partes correspondentes a porções distintas do território nacional. Em cada uma delas foi autorizada a entrada de um concorrente, conhecido como empresa-espelho.
Depois de 2002, o setor entrou em fadiga. O usuário brasileiro, diferentemente do que ocorreu em muitos países, não foi contemplado com a impressionante evolução das conexões de alta velocidade à internet.
A falta de energia regulatória e concorrencial limitou a penetração e o desenvolvimento dos serviços de telecomunicações e TI no país.
Houve, pelo menos, uma tentativa de continuar os avanços: o decreto presidencial 4.733/2003, que introduziu o modelo de custos como referência para as tarifas e propôs a abertura das redes para gerar um verdadeiro salto na competição.
Nesse sentido, atacou o coração do problema: o uso das redes públicas por terceiros operadores, com padrões justos de remuneração, é uma forma efetiva de promover a concorrência, observando a função social da propriedade das redes. Infelizmente, ele ainda carece de implementação.
Além do abandono dessa iniciativa, que poderia revigorar a energia na competição setorial, outros fatos reforçam que o modelo brasileiro de telecomunicações está em risco.
Um deles é que, em contraposição ao leilão público e aberto ocorrido na privatização, a transferência de controle de concessionários se tornou, recentemente, pouco transparente.
Em 2004, o veto à compra defensiva da Embratel por concessionárias locais foi decidido pela Corte de Falências de Nova York. No início do ano, a aquisição da Brasil Telecom pela Oi, ambas concessionárias fixas, foi apoiada pelo governo, ainda que produzisse efeitos altamente nocivos aos usuários e à concorrência.
As autoridades de regulação e de políticas públicas parecem não conseguir fazer valer o modelo centrado no fomento à concorrência, tendo sido insuficientes as medidas pontuais adotadas, como a portabilidade numérica e a licitação de algumas novas licenças de telefonia móvel.
Na contramão do exposto pela LGT, parece haver um direcionamento claro em favor da concentração dos mercados e da criação de empresas "campeãs nacionais", em detrimento da competição. É amplamente conhecido o fato de que grandes concentrações podem penalizar o consumidor e, eventualmente, também o contribuinte sem resultar em aumento significativo dos investimentos.
Retomando a pergunta: Como revigorar a energia da década passada? Não há necessidade de alterações legais significativas, pois o marco regulatório setorial define de forma clara o modo mais eficiente de assegurar os esperados benefícios socioeconômicos: encaminhar a exploração dos serviços à iniciativa privada, criando estímulos regulatórios à competição.
O cenário de fadiga e acomodação em relação às telecomunicações não contribui para que o Brasil se posicione entre os líderes da próxima década e pode jogar um "balde de água fria" nas nossas melhores perspectivas de desenvolvimento socioeconômico.
É urgente reafirmar a concorrência no setor para garantir a continuidade do modelo institucional vigente. A Anatel e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) são decisivos nesse processo.


LUIS CUZA, 67, mestre em ciências de telecomunicações, é presidente executivo da TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas).


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