São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

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CIA À SOLTA

É inquietante a notícia de que o presidente George W. Bush ampliou a autonomia da CIA para realizar operações antiterroristas. A agência estaria autorizada até mesmo a assassinar suspeitos de pertencer à rede terrorista Al Qaeda.
A questão enseja complexa discussão ética e jurídica. Uma agência do governo dos EUA deve ter poder para deliberadamente matar uma pessoa? O Estado não está obrigado a pelo menos julgar um suspeito antes de aplicar-lhe a pena capital?
No fundo, os EUA, ou pelo menos antigos presidentes norte-americanos, também tinham dúvidas. Ainda que aprovassem "eliminações" secretas, tinham o cuidado de distanciar-se delas. Tanto é assim que ainda vigora uma ordem executiva de 1981, que proíbe funcionários do governo dos EUA ou pessoas que em seu nome atuem de participar direta ou indiretamente de assassinatos. A ordem, que foi oficializada por Ronald Reagan, já vigorava informalmente desde 1976, sob Gerald Ford.
A motivação foi a péssima repercussão que algumas ações da agência vinham trazendo. Ela foi acusada de participar de complôs para assassinar os presidentes Fidel Castro (Cuba), Patrice Lumumba (Congo), Rafael Trujillo (República Dominicana) e Ngo Dinh Diem (Vietnã do Sul), para citar apenas alguns dos mais ilustres. Relatório de um comitê do Senado dos EUA de 1975, o Church Report, não corrobora todas as acusações, mas deixa claro que a agência conspirou para derrubar esses líderes e, na maioria dos casos, ao menos cogitou de assassiná-los.
Bush, ao ampliar a autonomia e os poderes de uma agência já refratária a controles, parece estar confiando na retórica de guerra. Ele aparentemente conta com que a morte de um suspeito de pertencer à Al Qaeda não será vista como um assassinato, mas como uma ação defensiva .
O risco é a CIA passar a aplicar a alcunha de terrorista a adversários políticos do governo para tentar justificar sua eliminação. Mesmo numa guerra, as ações do Estado precisam obedecer a alguns princípios.


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