São Paulo, terça-feira, 23 de dezembro de 2008

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Ipea sob risco

Concurso com viés ideológico coroa mudanças negativas que colocam em risco a credibilidade do instituto

CAMINHA a passos largos a reformulação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), abrigado na Secretaria de Assuntos Estratégicos, do ministro Roberto Mangabeira Unger. Infelizmente trata-se de uma mudança para pior.
Desde a posse do economista Marcio Pochmann na presidência do órgão, em agosto de 2007, diversas medidas ameaçam a imagem de isenção e excelência técnica da repartição governamental, que conta com mais de 40 anos de tradição.
Publicações de referência foram modificadas -como o Boletim de Conjuntura. Foram afastados economistas que não se alinhavam à doutrina de Pochmann. O último lance nessa direção foi o recente concurso público para a seleção de 62 novos pesquisadores.
Em vez de ater-se a conteúdos objetivos, a prova incluiu testes que requeriam posicionamento ideológico sobre projetos defendidos pelo governo e pelo PT. Candidatos deveriam aderir a pregações contra o "neoliberalismo" e a globalização.
As transformações implementadas por Pochmann têm outros aspectos questionáveis. Com remunerações generosas oferecidas aos ingressantes, os princípios de progressão na carreira ou de promoção baseada em mérito ficam prejudicados.
Salários iniciais de R$ 10,9 mil deixam pouca margem para a evolução na carreira. A remuneração atraiu grande número de interessados, mas não necessariamente familiarizados com as exigências de um instituto de pesquisa econômica: o pré-requisito da seleção era o diploma de graduação em qualquer área de conhecimento.
Assim, o maior e mais heterodoxo concurso da história da instituição reuniu quase 13 mil inscritos. Para um dos 15 cargos oferecidos, houve 308 candidatos por vaga.
A introdução de um filtro ideológico para a admissão à instituição se opõe ao espírito de impessoalidade e profissionalismo que deve reger a administração pública. O Ipea é um órgão técnico destinado à análise metódica de problemas econômicos e sociais, capaz de respaldar a formulação de políticas públicas. Deve privilegiar a excelência na formação de seus quadros, independentemente de afinidades partidárias ou convicções dogmáticas.
O corpo de economistas e analistas de um instituto de pesquisa econômica e social aplicada precisa ser plural, gozar de autonomia e liberdade de pensamento. A natureza de seu trabalho é incompatível com a censura ou a implantação de uma única linha de pensamento.
Com a mudança em curso, a direção do Ipea coloca em risco um prolongado investimento institucional, responsável pela credibilidade que o órgão granjeou.


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