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CARLOS HEITOR CONY
"Olha a crise!"
RIO DE JANEIRO - Um desocupado contou e colocou na internet
um dado inquietante: nos últimos
tempos, a palavra "crise" é a mais
repetida em jornais e revistas de todas as partes do mundo. Não sei como ele chegou a esta inútil descoberta, mas dou-lhe razão: todos falam na crise e a evocam para justificar isso ou aquilo.
Não chega a ser novidade. Nos
anos 60, eu morava no Posto Seis,
em Copacabana. Todos os dias
acordava com um cara que andava
pelas ruas gritando: "Olha a crise!
Olha a crise!" Escrevi um texto para
o "Correio da Manhã" (Rio) e para a
Folha, que então publicava minhas
crônicas. Transcrevo o trecho que
incluí num livro dedicado exatamente àquela parte final da praia:
"O morador mais importante do
Posto Seis é o bardo Carlos Drummond de Andrade. E o menos importante é um sujeito que sai pelas
ruas gritando: "Olha a crise! Olha a
crise!". Nunca e ninguém olharam
para a crise que o cara anuncia apavorado e inutilmente."
No dia em que a crônica foi publicada, o poeta, que era meu vizinho
de bairro e colega de Redação, escreveu-me um bilhete pedindo uma
correção: o morador mais importante do Posto Seis não era ele,
Drummond, mas o sujeito que andava pelas ruas do bairro pedindo
que tomássemos conhecimento da
crise.
Os tempos até que eram calmos
naquele distante ano. Bem verdade
que, pouco tempo depois, a coisa
engrossou, tivemos (e fomos forçados a olhar) uma crise político-militar que desaguou num golpe de Estado. Por coincidência, o cara desapareceu das ruas.
Mas não era essa, exatamente, a
crise que o sujeito anunciava pelas
ruas. Devia ser uma crise pessoal e
antiga que ele proclamava aos berros. Que ficássemos atentos para
evitar que cada um de nós fossemos
para as ruas fazer o mesmo.
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