|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS NOBRE
Notícia
em crise
O JORNAL NASCEU quando se
decretava o fim da arte e a
morte da filosofia, no século
19. Com a rápida expansão da internet, foi o jornal que se tornou a
mais nova vítima do serial killer
"progresso". Mas a questão aqui
não é de atestado de óbito. É de saber se as práticas que esses nomes
figuram podem adquirir novos
sentidos ou não.
O jornal não é papel. É antes de
tudo notícia. E é o formato notícia
que está em crise há já algum tempo.
A notícia pretende separar o
acontecimento de quem conta o
que aconteceu, pretende separar o
noticiário de artigos de opinião e
de análise, distingue fatos de interpretações. O formato notícia pretende ter o monopólio da informação neutra e objetiva. Foi com base
na notícia que o jornal construiu
sua legitimidade e seu prestígio.
A internet minou essas distinções de maneira irremediável. Os
processos colaborativos entre produção e consumo de informações, a
cultura dos blogs, a proliferação
acelerada de fontes virtuais destruíram na prática o monopólio do
formato notícia.
O jornal tem procurado manter
sua posição de influência como
uma espécie de garantidor de última instância da confiabilidade da
informação. Em alguns casos, tenta compensar sua renovada opção
pelo formato notícia mantendo um
certo pluralismo nas seções de análise e de opinião.
Essa estratégia ainda tem lhe garantido uma posição de destaque.
Usando de seu prestígio, o jornal
estabelece uma pauta de discussão
que, em geral, tem sido até agora
seguida pelos outros meios. De certa maneira, o jornal não apenas antecipa, mas também cria o fato porque seleciona os acontecimentos e
cria o contexto em que são debatidos.
Também por isso a ideologia da
neutralidade da notícia já não convence mais. Qualquer que seja o
formato, a informação só faz sentido hoje se explicitar sua tomada de
posição.
A novidade é perceber que isso
pode ser feito de diversas maneiras. São diferentes as maneiras de
apresentar e de elaborar explicitamente a formatação da informação. Como são diferentes as maneiras de difundir essa produção.
No momento, a alternativa ainda
continua a se dar entre o formato
notícia e uma politização mais ou
menos direta da informação. E é
difícil dizer qual deles representa
melhor tendências futuras. Com
transformações importantes, pode
ser que essa tensão se mantenha
por um bom tempo ainda.
O decisivo é que os fatos já não
cabem na camisa-de-força do simples acontecimento capturado pela
notícia. A maneira de organizar a
informação se tornou parte da própria informação.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: "Olha a crise!" Próximo Texto: Frases
Índice
|