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TENDÊNCIAS/DEBATES
Equívocos e inverdades
RENATO PAVAN
Julgamentos precipitados vêm tratando as parcerias público-privadas como responsáveis pelo acidente do metrô. Nada mais errado
NA ESTEIRA do trágico acidente com as obras de ampliação
do metrô de São Paulo, surgiram na mídia ilações equivocadas que
vinculam a tragédia ao modelo das
PPPs (parcerias público-privadas), na
tentativa de colocá-las em xeque.
Essas inverdades, mais do que nunca oportunistas na busca desenfreada
por culpados, não estão sendo suficientemente elucidadas. E a verdade
fica cada vez mais soterrada.
Ninguém em sã consciência coloca
em dúvida a necessidade de uma investigação criteriosa e isenta para
apurar as responsabilidades de cada
agente, seja do poder público, seja da
iniciativa privada. Não só para dar satisfação aos familiares das vítimas
mas também porque o Estado democrático de Direito exige o cumprimento da Justiça.
Além disso, a descoberta das causas
e das possíveis falhas, tanto na execução quanto na fiscalização da obra,
pode contribuir para evitar acidentes
similares no futuro.
No entanto, a confusão que está
sendo feita em torno do modelo utilizado na construção da obra vai muito
além de burocracias jurídicas.
A idéia de alguns setores da sociedade -inimigos do progresso- de
que todo e qualquer acidente é sempre fruto da ganância e da irresponsabilidade do setor privado é falsa.
O deslizamento de terra que abriu a
gigantesca cratera em Pinheiros
ocorreu durante a construção da infra-estrutura da futura linha 4 do metrô. O processo de licitação e contratação do consórcio vencedor para
construir essa infra-estrutura foi feito com base na Lei de Licitações (lei
nš 8.666/93). Ou seja, não tem nada a
ver com o modelo das PPPs. São modelos diferentes, com leis diferentes e
modos de fiscalização e de execução
diferentes.
O Consórcio Via Amarela venceu a
licitação em 2003, com modelo "turn
key". Isso significa ter preço, prazo e
projetos previamente definidos no
processo licitatório e fiscalizados por
quem contrata. O financiamento foi
garantido pelo Banco Mundial.
A lei que cria e regulamenta as
PPPs no Brasil (lei nš 11.079/04) só
entrou em vigor em dezembro de
2004. Portanto, mais de dez anos depois da Lei das Licitações e um ano
após o Consórcio Via Amarela ter
vencido a licitação para a construção
da infra-estrutura do metrô.
A causa da confusão é que o primeiro contrato de PPP assinado no Brasil
também envolve a linha 4 do metrô.
Porém, essa parceria, cuja licitação
foi decidida em novembro de 2006,
tem como objetivo a operacionalização, a manutenção e a aquisição de
trens para a linha 4. Em outras palavras, comprar os trens, operá-los e
conservá-los.
Como se vê, nada a ver com a construção da infra-estrutura. Por sinal, a
PPP da linha 4 do metrô será iniciada
nos trechos em que as obras de infra-estrutura já estejam finalizadas.
O contrato de PPP da linha 4 terá
uma fiscalização rigorosa. Será feito
por uma agência reguladora criada
nos moldes da Agência Reguladora de
Transporte do Estado de São Paulo.
Portanto, o acidente ocorreu na
edificação da obra -uma licitação do
governo estadual. A PPP envolve a
contratação de serviço.
Outro equívoco muito divulgado
-e que carrega em si um discurso
muito mais político do que técnico- é
o de que não há gente fiscalizando. E
que isso é a causa da tragédia.
Em 2003, por meio de estudos sobre a viabilidade da obra, o mesmo
Instituto de Pesquisas Tecnológicas
-hoje responsável pela investigação
do acidente- realizou uma série de
análises geológicas nos terrenos por
onde passará a linha 4. O projeto básico da obra e os estudos do IPT fizeram parte do edital. São estudos técnicos e altamente detalhados sobre a
acomodação do terreno.
Em relação aos cálculos da obra, toda a metodologia é baseada em dados
coletados em campo.
Tecnicamente falando, o que houve
foi uma acomodação do terreno
maior que todos os parâmetros previsíveis. A acomodação trouxe um peso
muito maior do que o que poderia ser
previsto. Quando a estrutura do escoramento das paredes começou a apresentar trincas, subjugada pelo peso, o
terreno arenoso escoou pela fenda,
provocando o desabamento.
O Brasil inteiro está chocado pela
tragédia. Todos os esforços devem ser
concentrados para a averiguação do
acidente, para evitar que ele se repita
e para amparar as vítimas e suas famílias. Não é hora de jogar ao vento julgamentos precipitados que escondem interesses políticos e uma visão
anacrônica sobre o papel do Estado
no Brasil.
RENATO PAVAN, 69, engenheiro civil, é diretor da Blue
Water Management (BWM), consultoria especializada
em parcerias público-privadas. Foi presidente da Fepasa
(Ferrovia Paulista S.A.) de 1995 a 1998.
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