São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

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Serra e o fim da autonomia universitária

ALCIR PÉCORA e FRANCISCO FOOT HARDMAN

Que as férias não impeçam um debate sobre a natureza e o efeito desses decretos de Serra que intervêm na autonomia universitária

AS PRIMEIRAS medidas do governador José Serra relativas às universidades estaduais paulistas são motivo da mais ampla perplexidade.
Por meio de dois decretos (nº 51.460 e nº 51.461, de 1º de janeiro), o novo titular do Bandeirantes criou a Secretaria de Ensino Superior e transferiu para sua alçada, como "estrutura básica da pasta", o Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais do Estado de São Paulo), que antes integrava o gabinete do governador. Mais: USP, Unicamp e Unesp passam a ser vinculadas à nova secretaria (até então, parte da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, o que se justificava plenamente por seu caráter básico de universidades de pesquisa).
Não se trata de questão de nomenclatura: transferem-se igualmente para a Secretaria de Ensino Superior "os bens móveis e os equipamentos, os cargos e as funções-atividades, os direitos e as obrigações e o acervo relativos às atividades da administração direta voltadas ao ensino superior, em todos os seus níveis".
O que poderia parecer, à primeira vista, um gesto de atenção para com o ensino superior revela-se, em exame mais atento, uma operação de controle centralizado, pelo aparelho estatal do governo, das estruturas, funções, recursos materiais e humanos das universidades.
E, ao se examinar a nova composição do Cruesp, percebe-se o segredo de polichinelo desses decretos de estréia do governo Serra: intervir diretamente na autonomia das universidades, com o esvaziamento do poder de coordenação e decisão dos reitores e sua subalternidade ao secretário de Ensino Superior, que passa a ser o presidente permanente do conselho de reitores -um super-reitor?-, com voto de minerva, em proporcionalidade que agora favorece sempre o governo, já que, além dele, têm assento os secretários de Desenvolvimento e de Educação.
Instituído durante o governo Quércia, em 1986, o Cruesp representou um avanço no árduo processo de conquista da autonomia universitária. Dele faziam parte os secretários de Ciência e Tecnologia e de Educação, mas a maioria ficava reservada, como seria próprio no caso de respeito ao princípio da autonomia, aos três reitores, que se revezavam, de modo equânime, na presidência do órgão em mandatos anuais.
Sabemos que, sem autonomia da gestão financeira, aquele princípio, fundamental na moderna administração de instituições voltadas para ser a vanguarda da inovação científica, tecnológica e cultural no país, torna-se palavra vã.
O balanço dessas duas décadas, apesar dos percalços, é muito favorável à experiência de autonomia universitária acumulada na USP, Unicamp e Unesp -disso há vários índices e exemplos conhecidos.
O reconhecimento da comunidade acadêmica nacional e internacional, da opinião pública e da sociedade brasileira indicam que o modelo de gestão das universidades paulistas deve ser referência para outros institutos, centros de pesquisa, faculdades e universidades.
Isso posto, cabe indagar: como ficará o repasse da cota de ICMS que a Assembléia Legislativa nos garante desde 1989, espinha dorsal de nossos orçamentos? Como ficarão a política salarial e as complexas questões de carreiras docentes, de pesquisadores e de servidores técnicos? Como ficará a política de expansão das vagas na graduação e na pós-graduação, bem como a criação de novas carreiras e campi? E a questão da Previdência nas universidades? E a renovação e a conservação de nossas complexas redes de infra-estrutura de pesquisa?
Com a palavra, o senhor governador e o senhor secretário.
Mas, antes que o silêncio e a desmobilização nos tragam novas más surpresas, com a palavra, os senhores reitores, os conselhos universitários, as congregações, os diretores e os coordenadores, as associações docentes, as entidades de funcionários e os estudantes.
Que as férias não impeçam a abertura imediata de um debate necessário e conseqüente sobre a natureza e o efeito dos decretos citados, que implicam mudanças profundas de gestão e atingem em cheio a autonomia universitária e não podem, portanto, ser simples e autocraticamente decretados. A tradição das universidades estaduais paulistas está a reclamar a devida resposta, prudente e lúcida, mas com a firmeza que a gravidade do assunto requer.


ALCIR PÉCORA, 52, crítico literário, é diretor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
FRANCISCO FOOT HARDMAN, 54, é professor titular de teoria e história literária e coordenador de Pesquisa do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi editorialista da Folha.


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