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Serra e o fim da autonomia universitária
ALCIR PÉCORA e FRANCISCO FOOT HARDMAN
Que as férias não impeçam um debate sobre a natureza e o efeito desses decretos de Serra que intervêm na autonomia universitária
AS PRIMEIRAS medidas do governador José Serra relativas
às universidades estaduais
paulistas são motivo da mais ampla
perplexidade.
Por meio de dois decretos (nº
51.460 e nº 51.461, de 1º de janeiro), o
novo titular do Bandeirantes criou a
Secretaria de Ensino Superior e
transferiu para sua alçada, como "estrutura básica da pasta", o Cruesp
(Conselho de Reitores das Universidades Estaduais do Estado de São
Paulo), que antes integrava o gabinete
do governador. Mais: USP, Unicamp e
Unesp passam a ser vinculadas à nova
secretaria (até então, parte da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, o que se justificava plenamente por seu caráter
básico de universidades de pesquisa).
Não se trata de questão de nomenclatura: transferem-se igualmente
para a Secretaria de Ensino Superior
"os bens móveis e os equipamentos,
os cargos e as funções-atividades, os
direitos e as obrigações e o acervo relativos às atividades da administração
direta voltadas ao ensino superior,
em todos os seus níveis".
O que poderia parecer, à primeira
vista, um gesto de atenção para com o
ensino superior revela-se, em exame
mais atento, uma operação de controle centralizado, pelo aparelho estatal
do governo, das estruturas, funções,
recursos materiais e humanos das
universidades.
E, ao se examinar a nova composição do Cruesp, percebe-se o segredo
de polichinelo desses decretos de estréia do governo Serra: intervir diretamente na autonomia das universidades, com o esvaziamento do poder
de coordenação e decisão dos reitores
e sua subalternidade ao secretário de
Ensino Superior, que passa a ser o
presidente permanente do conselho
de reitores -um super-reitor?-, com
voto de minerva, em proporcionalidade que agora favorece sempre o governo, já que, além dele, têm assento
os secretários de Desenvolvimento e
de Educação.
Instituído durante o governo Quércia, em 1986, o Cruesp representou
um avanço no árduo processo de conquista da autonomia universitária.
Dele faziam parte os secretários de
Ciência e Tecnologia e de Educação,
mas a maioria ficava reservada, como
seria próprio no caso de respeito ao
princípio da autonomia, aos três reitores, que se revezavam, de modo
equânime, na presidência do órgão
em mandatos anuais.
Sabemos que, sem autonomia da
gestão financeira, aquele princípio,
fundamental na moderna administração de instituições voltadas para
ser a vanguarda da inovação científica, tecnológica e cultural no país, torna-se palavra vã.
O balanço dessas duas décadas,
apesar dos percalços, é muito favorável à experiência de autonomia universitária acumulada na USP, Unicamp e Unesp -disso há vários índices e exemplos conhecidos.
O reconhecimento da comunidade
acadêmica nacional e internacional,
da opinião pública e da sociedade brasileira indicam que o modelo de gestão das universidades paulistas deve
ser referência para outros institutos,
centros de pesquisa, faculdades e universidades.
Isso posto, cabe indagar: como ficará o repasse da cota de ICMS que a Assembléia Legislativa nos garante desde 1989, espinha dorsal de nossos orçamentos? Como ficarão a política salarial e as complexas questões de carreiras docentes, de pesquisadores e de
servidores técnicos? Como ficará a
política de expansão das vagas na graduação e na pós-graduação, bem como a criação de novas carreiras e
campi? E a questão da Previdência
nas universidades? E a renovação e a
conservação de nossas complexas redes de infra-estrutura de pesquisa?
Com a palavra, o senhor governador e o senhor secretário.
Mas, antes que o silêncio e a desmobilização nos tragam novas más surpresas, com a palavra, os senhores reitores, os conselhos universitários, as
congregações, os diretores e os coordenadores, as associações docentes,
as entidades de funcionários e os estudantes.
Que as férias não impeçam a abertura imediata de um debate necessário e conseqüente sobre a natureza e o
efeito dos decretos citados, que implicam mudanças profundas de gestão e
atingem em cheio a autonomia universitária e não podem, portanto, ser
simples e autocraticamente decretados. A tradição das universidades estaduais paulistas está a reclamar a devida resposta, prudente e lúcida, mas
com a firmeza que a gravidade do assunto requer.
ALCIR PÉCORA, 52, crítico literário, é diretor do Instituto
de Estudos da Linguagem da Unicamp.
FRANCISCO FOOT HARDMAN, 54, é professor titular de
teoria e história literária e coordenador de Pesquisa do
Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi editorialista da Folha.
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