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A guerra equivocada
JOÃO CLAUDIO ROBUSTI
O Exército não deveria mobilizar 380 de seus combatentes para realizar as obras de transposição
do rio São Francisco
O EXÉRCITO deveria fabricar
brinquedos para crianças carentes? Negociar derivativos
no mercado de futuros para proteger
a produção dos pequenos agricultores
do Nordeste? Produzir o computador
popular? A resposta obviamente é
não, pela boa e simples razão de que o
Exército destina-se "à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem", como dispõe a Constituição Federal.
Logo, iniciativas como as sugeridas
acima, por mais meritórias que sejam,
não são atribuição da corporação militar. Da mesma forma, o Exército não
deveria mobilizar 380 de seus combatentes para realizar as obras de transposição do rio São Francisco.
Aqui, novamente, não está em causa o mérito do projeto sonhado por
dom Pedro 2º para minorar os efeitos
da seca, cuja realização se iniciou efetivamente em junho de 2007, mas ficou interrompido entre 14 de dezembro e 7 de janeiro devido ao recesso
militar e a pendengas jurídicas.
Também não se trata aqui de discutir a legalidade da ação do Exército
nem a greve de fome do bispo da cidade de Barra (BA), dom Luiz Flávio
Cappio, contra o projeto. A questão é
por que aquela corporação foi designada para construir barragens e canais que não fazem parte de suas atribuições, salvo se fosse para garantir a
defesa do país ou da lei e da ordem.
O principal argumento invocado
pelo governo federal para mobilizar a
tropa foi uma alegada dificuldade em
realizar a devida licitação pública
diante da celeridade demandada pelo
aflitivo quadro provocado pela seca.
Estranho. Se a licitação tivesse sido
aberta no primeiro dia da gestão do
primeiro mandato do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, muito provavelmente a obra já estaria concluída.
O governo alega que as construtoras de obras públicas não se entendem e retardam os processos licitatórios com recursos administrativos e
judiciais.
Nesse sentido, há dois graves equívocos. Primeiro, a função da licitação
é justamente obter, pela ampla concorrência, a obra desejada pelo melhor binômio preço-qualidade que o
mercado puder oferecer. Segundo, a
contestação de decisões tomadas pelo
Executivo ao longo da licitação, muitas vezes, tem o mérito de evitar um
equívoco do Estado na contratação de
obras que depois não venham a ser
entregues, necessitem de pagamentos adicionais injustificáveis ou sejam
desprovidas da qualidade requerida.
Ocorre que, em muitas licitações, as
construtoras esbarram em obstáculos
que retardam o início das obras. Para
começar, ainda proliferam editais
mal redigidos, fazendo exigências restritivas à ampla concorrência e vedadas pela lei 8.666, que regulamenta a
matéria. Administradores públicos,
muitos deles bem-intencionados,
acabam cometendo equívocos por se
cercarem de garantias excessivas. Outros, nem tanto, teimam em "dirigir"
descaradamente os certames a empresas que querem beneficiar.
É certo que a Lei de Licitações pode
e deve ser aperfeiçoada, num processo que está em discussão no Congresso. Mas a simples obediência aos dispositivos básicos da legislação em vigor está assegurando a execução de
milhares de obras em todo o país. Por
que o mesmo não ocorre com a transposição das águas do Velho Chico?
Quando o Executivo transgride a lei
8.666 e se nega a reconhecer o erro, o
que resta à empresa que se julga apta
a executar a obra da licitação da qual
está sendo injustamente excluída? O
recurso ao Poder Judiciário, que pode
decidir rapidamente, concedendo liminares, mas também pode tardar
meses, anos.
É por esse motivo, entre outros, que
a construção civil clama, junto com a
sociedade, por uma reforma da Justiça que acabe com a morosidade das
decisões judiciais, que tanto prejudica a eficácia do Estado de Direito em
que vivemos.
A realização de obras como as de
transposição é indubitavelmente
uma atribuição da iniciativa privada,
o que traz as vantagens adicionais de
geração de milhares de empregos, arrecadação de tributos e contribuições
à Previdência e sustentabilidade do
modelo econômico não estatizante
que desejamos.
Poupemos o Exército de missões
que a iniciativa privada pode perfeitamente realizar, preparemos melhor
os administradores públicos responsáveis pelas licitações e façamos finalmente a reforma do Judiciário que este país merece.
JOÃO CLAUDIO ROBUSTI, 60, é presidente do SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), vice-presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) e diretor de Habitação, Saneamento e Infra-Estrutura da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
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