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FERNANDO GABEIRA
Crime e genética
A NOTÍCIA de que neurocientistas do Instituto Max
Planck já podem ler o que se
passa no cérebro humano reaviva
uma polêmica. Em dezembro do
ano passado, a "Economist" afirmou que, para efeitos científicos, a
idéia de livre vontade estava em xeque. Alguns acadêmicos, como
Christopher Slobogin, da Universidade da Flórida, afirmam que a genética poderá dizer, com antecedência, quem tem propensão ao
crime. Com isso, todo o esforço deveria ser concentrado na prevenção.
No fundo, a polêmica é parecida
com a que se trava no Brasil. Aqui,
como ainda não estamos tão mergulhados nos avanços da genética,
se afirma que a estrutura social é a
principal determinante do crime.
Os argumentos não se sustentam
quando se avalia a trajetória do
presidente da República. Estaria
condenado à margem, e, no entanto, dirige o país. E, principalmente,
não explicam como milhões de famílias pobres decidiram ter uma
vida correta.
A determinação social é importante. Assim como a psicanálise,
que abalou a mística de decisões
puramente racionais. Juntos com a
genética são instrumentos vitais
em qualquer programa futuro de
prevenção. Quando os cientistas
avançarem em suas pesquisas, deverão constatar também que, apesar de geneticamente determinadas, duas pessoas com as mesmas
características podem seguir caminhos diferentes.
A pressão para que se suprima o
conceito de livre vontade deverá
prosseguir, e só o desdobramento
da pesquisa poderá, no final, dizer
quem tem razão. Estou aberto para
tudo.
Neste momento, é preciso considerar que a ação racional pode vencer determinações sociais, o romance familiar ou mesmo características genéticas. Dizer sim ou não
para isso tem grandes implicações
políticas. Em primeiro lugar, para
que as pessoas não sejam, prematuramente, culpadas. Em segundo,
para nos proteger das tiranias, que
também duvidam da ação racional
dos indivíduos.
Em terceiro lugar, para afastar a
idéia de um mundo chato e previsível, onde a liberdade humana é
apenas uma ilusão.
Embora baseados em métodos
experimentalmente controlados,
os entusiastas da genética poderiam olhar para o século passado,
em que a psicanálise floresceu. No
princípio, há uma forte tendência
totalizante, uma grande vontade
de explicar tudo a partir da nova
teoria. O marxismo apanhou muito
da realidade. Em tese, também deveria ser um bom conselheiro. Mas
quem abre mão de explicar tudo,
definitivamente? Os homens apenas mudam de cama, mas continuam sonhando com o absoluto.
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta
coluna.
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