São Paulo, terça-feira, 24 de março de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As agendas da educação

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA


Não podemos esquecer a trava estrutural que nos prejudica: nada substitui um professor bem formado. É uma agenda do futuro


AS MUDANÇAS que vêm ocorrendo na rede estadual de educação de São Paulo são promissoras. Pelo menos três das cinco condições necessárias para fazer uma escola funcionar estão em andamento: o programa de ensino, a avaliação calcada nesse programa e um sistema de incentivos baseado no desempenho. As outras duas que faltam são talvez as mais espinhosas, e ambas se circunscrevem ao âmbito da autonomia: a do diretor -especialmente a autonomia administrativa- e a pedagógica, que esbarra, por sua vez, na formação básica do professor.
Inúmeros avanços foram feitos pelo governo estadual para romper as amarras corporativistas, que inibem o gerenciamento eficaz dos recursos humanos. Mas falta percorrer um bom caminho até que o diretor tenha, de direito e de fato, o poder e a autoridade para fazer a escola funcionar. Para isso, a secretaria precisa dispor de meios para gerenciá-lo.
No caso da autonomia pedagógica, os resultados da recente prova de seleção de professores-colaboradores evidenciam quatro grandes problemas. Primeiro, quase metade do universo em questão é composto por temporários. Sabemos que não se faz uma escola com alta rotatividade de diretores e de corpo docente. Segundo, só pouco mais de 20% do total de professores, contratados ou efetivos, receberam formação básica adequada. Terceiro, pouco sabemos da diferença de desempenho de efetivos e contratados. Quarto, nada sabemos do impacto dos estágios probatórios.
O desafio imediato é lidar com as consequências dessa realidade. Até recentemente, os sistemas educativos ignoravam tais limitações. Em nome da autonomia da escola, o ensino corria solto. A iniciativa restringia-se às comprovadamente inócuas capacitações -mas bilhões de reais foram gastos pelo governo paulista.
As propostas atuais não parecem atacar as reais limitações dos professores com instrumentos eficazes. A literatura educacional aponta como solução mais adequada o ensino estruturado, desde que efetivado sob o comando da direção da escola. Com efeito, no caso da alfabetização, isso já vem ocorrendo. A lamentar o fato de que tanto o programa de ensino quanto a proposta de intervenção são deficientes. Por razões inexplicáveis, a secretaria optou por uma concepção equivocada de alfabetização, ignorando os avanços científicos na área.
Há dois desafios na reforma educativa. Não se pode tratar uma questão como a alfabetização atendendo a pressões ideológicas e corporativas em detrimento do sucesso do aluno. Também não bastam soluções formais, como o ensino estruturado. É preciso eficácia. O critério da educação baseada em evidências, que vem sendo usado para justificar muitas das intervenções da reforma paulista, foi solenemente ignorado no caso da alfabetização infantil. Usar a evidência científica só quando interessa e descartá-la quando contraria as verdades locais estabelecidas desmoraliza qualquer esforço sério de reforma.
Nesse aspecto específico da alfabetização, o ministro da Educação, Fernando Haddad, já avançou muito mais do que o governo paulista. Sabemos que, pelo tempo que resta, dificilmente o atual governo dará cabo das duas condições que faltam para fazer uma escola funcionar de maneira eficaz. O que nos remete ao reconhecimento de que o êxito dependerá de cada diretor e sua equipe. Mas, mesmo que tudo corresse bem, não podemos esquecer a trava estrutural que nos prejudica: nada substitui um professor bem formado. E essa é uma agenda do futuro.
Uma verdadeira reforma da educação precisa de vários ingredientes. Um deles é a resolução do pacto federativo, com a municipalização do ensino infantil e fundamental e a responsabilização dos municípios. Outro ingrediente é tornar o magistério atrativo para os melhores alunos que saem do ensino médio ou da faculdade. Nos países desenvolvidos, os candidatos estão entre os 25% melhores do ensino médio; no Brasil, entre os 15% piores no Enem. Mudar essa realidade requer políticas diferenciadas de carreira e planos de migração -assunto politicamente delicado.
Além disso, é necessário desenhar estratégias, como políticas de autonomia escolar em dois tempos. As escolas que tivessem professores devidamente qualificados e atingissem níveis adequados de desempenho -digamos, 75% dos alunos com 220 pontos ou mais na Prova Brasil de Língua Portuguesa na 4ª série- receberiam autonomia pedagógica, o que significa escolher materiais e métodos para implementar o programa de ensino.
Até lá, caberia ao poder público adotar medidas eficazes de natureza gerencial e pedagógica para suprir as lacunas de formação dos professores. Isso sem falar na reforma do ensino médio e na educação para a primeira infância -assuntos que não cabem no presente artigo.

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA, 62, psicólogo, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto. Foi secretário-executivo do Ministério da Educação (1995).


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