São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

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Os juízes em defesa do povo


O juiz que fica em seu gabinete, alheio ao que se passa na comunidade, é conivente com o arbítrio do Executivo


FERNANDO TOURINHO NETO

Na semana passada, nós, juízes brasileiros, paramos para conversar com a sociedade sobre os problemas do Poder Judiciário, para mostrar que estamos preocupados com sua independência e sua dignidade. A Justiça não é morosa por vontade do juiz. O povo precisa saber que sem magistrados não há democracia, não há liberdade.
A paralisação foi, na verdade, "um fato da maior gravidade" porque chamou a atenção de todo o povo brasileiro para o fato de que estamos à beira de uma ditadura, já que o presidente da República se fez de legislador, usurpando as atribuições do Congresso. Mais privilégios processuais, outrossim, são concedidos à União e às suas autarquias e fundações. Ademais, o livre exercício da função jurisdicional está sendo limitado, como no caso da proibição de concessão de liminar em certas hipóteses, em prejuízo do povo. O juiz, esteio da democracia, não pode ficar calado, omisso, diante de tal perigo.
Não houve interesse corporativo na nossa paralisação. Lutamos pelos direitos do cidadão de ter livre acesso a uma Justiça digna e independente, de não ver o cerceamento das liberdades democráticas aumentar a cada dia. Pelo direito de viver numa democracia.
Não é correta a afirmação de que estejamos, com nosso movimento, "atentando contra a sociedade". Paramos para dialogar com o povo. O cidadão não foi prejudicado. Habeas corpus e medidas urgentes foram apreciados e decididos. Se lutamos pelo povo, como vamos querer prejudicá-lo?
Atenta contra a sociedade o juiz que fica em seu gabinete, isolado, alheio ao que se passa na comunidade. Esse, sim, é conivente com o arbítrio do Executivo, que, após subjugar o Legislativo, avança (com o auxílio deste) furiosamente contra o Poder Judiciário, última trincheira da democracia. Esse, sim, é que está contribuindo para a derrocada do Judiciário e, consequentemente, do Estado Democrático de Direito. Esse, sim, é um mau juiz, pois, acima de tudo, não é cidadão brasileiro. Isso é que é "inconcebível". Isso é que é "intolerável". Isso é que "afeta a credibilidade do Poder Judiciário".
As ameaças de perda da liberdade e de derrocada da democracia impõem a tomada de posição dos juízes, antes que seja tarde demais.
A história da magistratura federal confunde-se com a defesa dos cidadãos. Por isso, repelimos veementemente a afirmação de que estamos contra a sociedade. Foi da pena de juízes federais que os cidadãos conseguiram de volta os empréstimos compulsórios sobre combustíveis e veículos; obtiveram também a correção do saldo da poupança e do FGTS, a aplicação do plano de equivalência salarial para as prestações da casa própria e a liberação dos cruzados bloqueados, para falar só nos casos mais conhecidos. Também coube a um juiz federal, Márcio Moraes, em 1978, em plena ditadura, declarar que o jornalista Vladimir Herzog havia sido torturado e morto pelo regime militar e que sua viúva tinha direito a ser indenizada.
Nós, juízes federais, lutamos por uma sociedade livre, justa, pelo Estado Democrático de Direito. Não nos amedrontaremos diante de nenhuma ameaça, venha de onde vier, parta de onde partir. Temos coragem, fé, entusiasmo. Queremos o bem do nosso povo e da nossa pátria -a pátria dos nossos pais, a pátria dos nossos filhos.


Fernando Tourinho Neto, 55, pós-graduado em direito pela Universidade Federal da Bahia, é presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).




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