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JOSÉ SARNEY
Recuerdos de Cucaracha
SALVARAM-SE EM Trinidad e
Tobago apenas os Estados
Unidos e o Brasil. Ficou evidente a chegada do nosso país àquilo que no passado fora a profecia de
muitos pensadores, entre os quais
Joaquim Nabuco, primeiro embaixador do Brasil em Washington:
nossa condição de potência continental, desempenhando a mesma
posição no continente sul que os
EUA na América do Norte.
Procuramos salvar a face de uma
Latino-América fossilizada, com
uma retórica fora da realidade e do
tempo. O presidente Lula, mais do
que tentando acalmar dinossauros,
salvava a imagem do continente.
Na realidade, um Obama moderno,
mostrando não só a mudança nos
EUA mas o que ele representa para
o mundo no avanço das conquistas
humanas, na superação de raças,
ideologias e credos, como um presidente negro.
Com sua pele, mostrou não só
que os EUA mudaram como o
mundo mudou. Ele vinha dizer
aquilo que na Europa já afirmara: o
fim do "big stick", a política da força e da prepotência. Obama trouxe
uma mensagem nova, um convite à
solidariedade, a uma visão conjunta de trabalho e de cooperação. A
resposta foi pífia, não faltando
mesmo o factoide criado por Chávez no oferecimento de um livro de
1971, um velho panfleto antiamericano, uma mostra de um dedo fossilizado de um tempo do século
passado, da Guerra Fria, graças a
Deus, apenas memória de um
mundo bipolar, que morreu.
A crise mundial, a estagnação da
América Latina, mergulhada num
atraso refletido na concentração
de renda e baixas condições sociais,
de educação, saúde e segurança, a
chaga de um continente esclerosado, veio da situação deprimente de
não se ter condições nem de assinar o documento final, porque não
se tratava do embargo de Cuba.
Falo com autoridade, porque há
20 anos, em Acapulco, na primeira
reunião de chefes de governo para
a crise da América Central, o chamado Grupo dos Oito, formado por
nós em plena radicalização dos Estados Unidos, tive a coragem de
propor a reintegração de Cuba ao
sistema continental. Mas, hoje, esse problema está já em andamento
com a proposta de Obama e o aceite de Raúl Castro de os dois países
dialogarem diretamente, sem precisar de intermediários.
Tornar isso um cavalo de batalha
impeditivo de discutir os problemas de nossa área e aproveitar os
novos ventos que sopram de Washington é demagogia e atraso, prisioneiros das hipotecas da Guerra
Fria.
Lula elevou o patamar internacional do Brasil. Nossa posição em
Trinidad e Tobago mostrou um
Brasil maduro, moderno e no nível
de dialogar com os Estados Unidos
no mesmo patamar de um Obama
transformador. O resto foi uma
vergonhosa verborragia à moda
dos tempos de cucaracha.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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