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TENDÊNCIAS/DEBATES
Foi positivo o desempenho de Gilmar Mendes na presidência do STF?
NÃO
Justiça não deve seguir lógica fordista
MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA
QUANDO SE pergunta a respeito
de uma determinada gestão, há que se evitar um inadequado personalismo.
Mais do que analisar a atuação de
um presidente do Supremo Tribunal
Federal, deve-se investigar as causas
das dificuldades do Poder Judiciário e
as perspectivas futuras. O que se pretende fazer aqui é uma breve incursão
na perspectiva institucional.
Para que se proceda de forma mais
adequada, parece-nos que o mais relevante é a análise da atuação no Conselho Nacional de Justiça -órgão que
se revelou importante na formulação
de política pública judiciária, dirigido
pelo presidente do STF.
Nessa lógica, não há como se desconsiderar avanços. Assim, destaque-se a forma como a questão carcerária
foi tratada, com forte empenho a ser
atribuído ao presidente do Supremo,
durante o último biênio.
Veja-se, por exemplo, o mutirão
realizado para a análise de situações
de presos em alguns Estados da Federação. Não há que se admitir que um
preso fique nessa condição para além
da pena que lhe foi cominada.
No entanto, nos parece que o maior
problema do Judiciário se encontra
essencialmente na análise da administração judicial. Nesse ponto em
particular, elegeu-se uma opção que
exige maiores reflexões, sob a ótica do
Estado democrático de Direito.
Do Judiciário tem-se pedido a celeridade na prestação jurisdicional. É
claro que se trata de um desejo comum a todos. No entanto, a pergunta
a ser feita é a seguinte: a que custo?
Nesse sentido, parece-nos correto
que isso seja obtido com gestão adequada dos processos, o que implica,
em especial, a atuação das instâncias
inferiores. O gerenciamento de uma
vara, no entanto, é um dos temas mais
complexos e difíceis.
Não é possível acreditar que a administração de varas passe por lógica
semelhante à de empresas privadas.
A sensação que permeia alguns atos
editados sobre o tema foi a de que o
custo da justiça célere é a admissão de
certa perda da qualidade da atuação
jurisdicional.
No entanto, perceba-se que não nos
encontramos numa linha de produção, em que os produtos, se malfeitos,
podem ser desprezados ou contabilizados no custo final.
A vida das pessoas, envolvidas nos
litígios, se mal decidida, não pode ser
devolvida ou considerada como uma
pane normal no sistema. Não se trata
da importação da lógica fordista, em
que se produzia, em linha de montagem, uma série de carros.
A resolução do caso de cada pessoa
é muito mais delicada do que se pode
imaginar, devendo-se acreditar que o
juiz, ao administrar a sua vara, considere tal fato e, não raras vezes, precise
de tempo para melhor julgar o feito.
A realidade é que muito do que se
pensou para a arquitetura da gestão
das varas, ao tratar os processos essencialmente como números, descuida do devido processo legal e do
suporte logístico.
Lembro-me de um exemplo. Em
curso de formação de servidores, um
dos seus ministrantes, vindo do setor
privado, analisando gráficos, verificou que certa vara movimentava mais
rapidamente o processo do que outra.
Constatou-se que uma dava ciência às
partes do laudo pericial, para manifestação, e a segunda suprimia o ato.
O palestrante entendeu que o mais
eficiente seria o procedimento do juízo que não dava prazos.
Um servidor indagou: "E a disposição constitucional que possibilita a
ampla defesa -que compreende a
manifestação das partes sobre o laudo
do perito?". O ministrante, tranquilo,
replicou: "A Constituição? A Constituição é mero detalhe".
Esse é o risco que sofre, cada vez
mais, o Judiciário, com atos editados
nos últimos anos. Estamos diante de
algo que está para além de uma gestão
do Poder Judiciário, já que vem-se intensificando ano após ano.
Afinal, há que se pensar, com Rui
Barbosa, que justiça tardia é injustiça
qualificada. No entanto, deve-se atentar para o fato de que justiça concedida sem o esgotamento da plena potencialidade democrática existente
em cada processo é mais do que atentado a uma única pessoa, o postulante, já que coloca em risco a própria democracia brasileira.
MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA, 44, doutor e
livre-docente pela USP, é professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da
área de concentração em direitos humanos da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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