|
Próximo Texto | Índice
Política viciada
Parte da elite política que hoje se vê em apuros foi e é alimentada pela prática fisiológica patrocinada pelo Planalto Central
A OPERAÇÃO Navalha caiu
sobre a política brasileira como raio em dia
de céu azul. O governo
e sua coalizão experimentavam
até a última semana um período
de inédita, quase exasperante
calmaria. O presidente Lula e sua
base congressual desincumbiam-se sem esforço da missão
de estrangular as CPIs do Apagão Aéreo, tarefa facilitada pela
inapetência da própria oposição.
Esse cenário caducou na quinta-feira. Desde então, o escândalo provocou a queda de um ministro; e vários governadores
-pelo menos sete, entre atuais e
ex-titulares do cargo- já foram
de alguma forma relacionados ao
caso. Há ainda indícios que podem implicar o presidente do Senado nas acusações e uma alegada lista de presentes que teriam
sido oferecidos a parlamentares
pela construtora Gautama.
O espírito de corpo dos congressistas, em ampla maioria
contrários a qualquer iniciativa
para investigar o caso no âmbito
do Legislativo, ofuscou de vez a
divisão já desbotada entre governistas e oposição. Parecem todos
agora a favor de si mesmos.
Diante da complexidade e da
extensão do esquema revelado
pela PF, recomenda-se prudência contra conclusões apressadas. O sentimento de indignação
e o justo clamor por punição que
afloraram na opinião pública não
podem se traduzir em atos de
justiçamento indiscriminado,
muitas vezes com o incentivo da
mídia mais estridente.
É salutar, por isso, a iniciativa
de um grupo de renomados criminalistas, que decidiu protestar
publicamente, em carta enviada
ao presidente do STJ (Superior
Tribunal de Justiça), contra o
açodamento e os abusos que, segundo dizem, vêm caracterizando várias operações da PF.
"Métodos de duvidosa eficácia
para combater a criminalidade,
muitos flagrantemente ilegais,
têm como conseqüência exclusiva criar a ilusão de uma atuação
eficiente contra a chamada criminalidade das elites". Pode-se
concordar ou não com este diagnóstico, que consta do manifesto
dos advogados. A escolha, de
qualquer forma, não deve ser entre a ilegalidade e a impunidade.
Difícil é fugir à evidência de
que o governo Lula, em nome do
pragmatismo, jogou no lixo suas
veleidades reformistas para incorporar os vícios do sistema político brasileiro e até inovar em
matéria de aliciamento indevido.
Parte da elite política do país
que hoje se encontra em apuros
-ou no fio da navalha- foi e é
alimentada pela realpolitik fisiológica patrocinada pelo Planalto
Central. Detalhes à parte, a mesma observação valeria, aliás, para caracterizar os anos FHC.
Questionado durante a campanha à reeleição sobre a aliança
com o PMDB, o presidente Lula
respondeu assim à Folha: "Você
pode gostar ou não. As forças políticas que existem no Brasil são
essas. Tem PMDB, PFL, PSDB,
PDT, PT, PC do B, PP, PL, PTB.
Foi isso que se conseguiu criar
depois que houve a abertura política". Chama atenção sobretudo a desenvoltura conformista
da resposta. A expectativa depositada nos adversários do regime
militar -vê-se- era uma ilusão
que desmanchou no ar.
Próximo Texto: Editoriais: Ceder na USP
Índice
|