São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2007

Próximo Texto | Índice

Política viciada

Parte da elite política que hoje se vê em apuros foi e é alimentada pela prática fisiológica patrocinada pelo Planalto Central

A OPERAÇÃO Navalha caiu sobre a política brasileira como raio em dia de céu azul. O governo e sua coalizão experimentavam até a última semana um período de inédita, quase exasperante calmaria. O presidente Lula e sua base congressual desincumbiam-se sem esforço da missão de estrangular as CPIs do Apagão Aéreo, tarefa facilitada pela inapetência da própria oposição.
Esse cenário caducou na quinta-feira. Desde então, o escândalo provocou a queda de um ministro; e vários governadores -pelo menos sete, entre atuais e ex-titulares do cargo- já foram de alguma forma relacionados ao caso. Há ainda indícios que podem implicar o presidente do Senado nas acusações e uma alegada lista de presentes que teriam sido oferecidos a parlamentares pela construtora Gautama.
O espírito de corpo dos congressistas, em ampla maioria contrários a qualquer iniciativa para investigar o caso no âmbito do Legislativo, ofuscou de vez a divisão já desbotada entre governistas e oposição. Parecem todos agora a favor de si mesmos.
Diante da complexidade e da extensão do esquema revelado pela PF, recomenda-se prudência contra conclusões apressadas. O sentimento de indignação e o justo clamor por punição que afloraram na opinião pública não podem se traduzir em atos de justiçamento indiscriminado, muitas vezes com o incentivo da mídia mais estridente.
É salutar, por isso, a iniciativa de um grupo de renomados criminalistas, que decidiu protestar publicamente, em carta enviada ao presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), contra o açodamento e os abusos que, segundo dizem, vêm caracterizando várias operações da PF.
"Métodos de duvidosa eficácia para combater a criminalidade, muitos flagrantemente ilegais, têm como conseqüência exclusiva criar a ilusão de uma atuação eficiente contra a chamada criminalidade das elites". Pode-se concordar ou não com este diagnóstico, que consta do manifesto dos advogados. A escolha, de qualquer forma, não deve ser entre a ilegalidade e a impunidade.
Difícil é fugir à evidência de que o governo Lula, em nome do pragmatismo, jogou no lixo suas veleidades reformistas para incorporar os vícios do sistema político brasileiro e até inovar em matéria de aliciamento indevido.
Parte da elite política do país que hoje se encontra em apuros -ou no fio da navalha- foi e é alimentada pela realpolitik fisiológica patrocinada pelo Planalto Central. Detalhes à parte, a mesma observação valeria, aliás, para caracterizar os anos FHC.
Questionado durante a campanha à reeleição sobre a aliança com o PMDB, o presidente Lula respondeu assim à Folha: "Você pode gostar ou não. As forças políticas que existem no Brasil são essas. Tem PMDB, PFL, PSDB, PDT, PT, PC do B, PP, PL, PTB. Foi isso que se conseguiu criar depois que houve a abertura política". Chama atenção sobretudo a desenvoltura conformista da resposta. A expectativa depositada nos adversários do regime militar -vê-se- era uma ilusão que desmanchou no ar.


Próximo Texto: Editoriais: Ceder na USP

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.