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KENNETH MAXWELL
O papa e a rainha
COISAS ESTRANHAS costumam acontecer com a história durante visitas de Estado.
Na semana em que o papa Bento 16
esteve no Brasil, a rainha Elizabeth
2ª da Inglaterra visitou os Estados
Unidos. No Brasil, o papa canonizou um religioso brasileiro do final
do século 18 que inventou pílulas
miraculosas, enquanto nos Estados Unidos a rainha canonizou Jamestown, uma colônia inglesa estabelecida no século 17, como o local de nascimento da democracia
norte-americana. Ambos alegaram
que a colonização foi uma bênção.
O papa negou que tenha sido "a imposição de uma cultura estranha",
enquanto a rainha exaltava os "valores eternos de democracia e
igualdade" de Jamestown, que se
baseavam "no domínio da lei e na
promoção da liberdade".
Caso o papa tivesse ido a Chiapas
(México) para pregar na igreja fundada em San Cristóbal pelo frei
Bartolomé de Las Casas, talvez
sentisse a necessidade de confrontar uma realidade diferente. Las
Casas não tinha dúvidas de que a
chegada dos cristãos à América havia causado "a destruição das Índias", literalmente levando pragas
e morte a milhões dos habitantes
indígenas da região. E a rainha parece ter se esquecido de que a sobrevivência de Jamestown dependia de escravos, de tabaco e de um
governo ditatorial.
Talvez Elizabeth 2ª tenha optado por falar sobre democracia para
não ter de falar sobre republicanismo, que era evidentemente o que
os inimigos de seu ancestral George 3º teriam preferido. Os pais fundadores da República norte-americana, de fato, não se sentiam muito
confortáveis com democracia demasiada, e desenvolveram um sistema de governo que restringisse o
poder popular. Há certa ironia no
fato de que, enquanto George Bush
2º, um homem muito dinástico,
educado em Yale e em Harvard, estava recebendo a rainha em jantar
formal na Casa Branca, no Brasil
tenha sido o presidente sem educação superior que optou por falar
com franqueza.
Lula lembrou a Bento 16 que o
povo brasileiro respeita a separação entre igreja e Estado, especialmente no que tange a um reconhecimento público franco das realidades da sexualidade humana, como a distribuição de camisinhas
para impedir a transmissão do vírus HIV.
Lula perdeu mulher e filho devido a assistência médica inadequada e, em questões instintivas de vida, morte e história, ele muitas vezes está certo, enquanto rainhas e
papas podem, em certas ocasiões,
demonstrar notável propensão ao
erro.
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
kmaxwell@fas.harvard.edu
Tradução de Paulo Migliacci
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