São Paulo, sábado, 24 de maio de 2008

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GUSTAVO FRANCO

A hora e a vez do déficit zero

NO PASSADO, se dizia que a política econômica era o resultado de um embate entre o ministro gastador, geralmente o do Planejamento, e o guardião do caixa, o da Fazenda. As coisas mudaram depois do Real; o Banco Central cresceu em importância, ao passo que os gastadores se dispersaram em um grande número de ministérios. A situação que hoje temos é simples: a política fiscal é do presidente da República, o único que desempata os gastadores, e a política monetária é do BC, onde, em última instância, está o freio.
Foi do presidente a feliz decisão de manter, desde 2002, as metas fiscais que vinham desde o acordo com o FMI em 1998, e com isso pudemos tirar proveito do vento a favor vindo do exterior -e há vários anos a economia vai bem.
Todavia o sucesso continuado vai produzindo a necessidade de mexer no time, ou na tática, mesmo com o placar favorável. O adversário está crescendo -inflação, juros, déficit em conta corrente-, e a comissão técnica precisa tomar uma providência antes de a torcida começar a se impacientar.
O Brasil tem hoje um quadro evidente de excesso de demanda.
Estão circulando teorias complexas sobre o caráter global da inflação; para isso é bom lembrar as palavras de um sábio do passado: inflação não tem caráter.
O excesso de demanda foi se materializando com o sucesso da política econômica e com o crescimento cada vez maior do gasto privado de consumo e investimento. Como o gasto público tem crescido também de forma avassaladora, eles não cabem dentro do mesmo PIB.
Tem-se uma clássica inconsistência macroeconômica: um elevador cheio, dentro do qual, para entrar mais um programa do governo, é preciso que o mesmo tanto de gasto privado seja retirado. O assunto aqui é matemático. O elevador carrega um peso máximo, fixado pela prefeitura e que está inscrito na convenção do condomínio. O BC funciona como o porteiro do prédio, que adverte o grupo de que, ou todos vão emagrecer rapidamente por meio de inflação, ou os juros vão ser aumentados até que alguém desista de subir.
É como o avião com "overbooking": 150 passageiros reservados, públicos e privados, e cem lugares.
Se trabalhar direito, o BC vai fazer com que 50 passageiros desistam de viajar, para que os novos projetos públicos, causadores do problema, possam voar. Se não trabalhar direito, vai tentar viajar com 150 onde cabem cem, o que resulta em riscos incomensuráveis.
Está nas mãos do presidente fazer a coisa certa, que é ajustar as metas fiscais de 1998 para cima, possivelmente fixando como meta o déficit zero -e desse jeito, sem adjetivações. Afinal, déficit também não tem caráter.


gh.franco@uol.com.br

GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta coluna.


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