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TENDÊNCIAS/DEBATES
É hora de o Brasil encerrar a missão no Haiti?
SIM
Novos desafios para as Forças Armadas
ROBERTO ABDENUR
FOI ACERTADO e oportuno o envio de tropas ao Haiti. Deu-se no
contexto da intensificação de
nossa atuação no continente e no plano global em geral, entre outras razões com vistas a reforçar nossas credenciais para a obtenção de assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU -objetivo de todo válido, em que nossa diplomacia cedo ou
tarde terá êxito (talvez mais cedo, em
eventual governo Obama nos EUA).
Enche-nos de orgulho o notável desempenho de nossos soldados. Com a
responsabilidade de liderar missão de
extrema delicadeza, deram nossas
Forças Armadas contribuição decisiva para a difícil transição política de
que necessitava o Haiti para o apaziguamento das tensões, a recuperação
da economia e a construção de instituições democráticas.
Para esse sucesso no campo militar
muito contribuiu o empenho do Itamaraty na sustentação política da
missão, com gestões no mais alto nível no Conselho de Segurança, no
Banco Mundial e no BID e intensa
movimentação para o êxito de duas
conferências de países doadores.
Foi intenso o diálogo com os EUA,
dada sua influência nos processos decisórios sobre a questão (a propósito,
esclareço que nossa inclusão na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti -Minustah- não se
fez a pedido ou a serviço dos EUA).
No que a mim dizia respeito, fui
certa feita interpelado por altos funcionários norte-americanos que instavam as forças brasileiras a serem
mais agressivas. Dei-lhes a resposta
que daria qualquer brasileiro: não temos a tradição guerreira dos EUA.
Preferimos prudência e comedimento, recorrendo à força apenas em última instância. A prioridade era a conquista da simpatia da população.
Tive mais tarde a satisfação de homenagear o general Heleno, cuja passagem por Washington se devia ao
desejo das autoridades norte-americanas de recolher ensinamentos a
partir da experiência vivida por nossas tropas, as quais vinham atuando
por vezes mais na imposição do que
apenas na manutenção da paz (observo que os EUA haviam fracassado em
intervenções unilaterais no Haiti).
A Minustah foi profícua iniciativa
também por seu caráter predominantemente sul-americano. A nós juntaram-se Argentina, Bolívia, Chile,
Equador, Paraguai, Peru e Uruguai.
Essa inédita experiência pode servir
para avanços na articulação das forças da região para futuras operações
de paz, objetivo que, suponho, recaia
sob a égide de iniciativas como o Conselho de Defesa Regional e a Unasul
(União das Nações Sul-Americanas).
Não obstante tudo o que se conseguiu, o Haiti por muito tempo necessitará de apoio externo, possivelmente com sucessivas extensões da Minustah (estiveram no país, entre 1993
e 2001, quatro outras operações semelhantes). Vale notar que a situação
continua incerta, como ilustram as
recentes manifestações de protesto
contra os preços de alimentos.
Os gastos com a Minustah até agora
foram investimento frutífero a serviço de nossos interesses e responsabilidades no plano internacional. Mas, a
essa altura, novos desafios se apresentam a nossas Forças Armadas (e à
diplomacia) -a proteção das águas
territoriais em marco de virtual nova
crise dos preços do petróleo; melhor
defesa do espaço aéreo; e o resguardo
da soberania sobre a Amazônia, quando preocupações internacionais com
questões ambientais (e sua correlação com a escalada no preço de alimentos) trazem de novo à baila no exterior descabidas, inquietantes e inaceitáveis idéias sobre a região.
Acresce o notório sucateamento de
parte substancial dos equipamentos
das Forças Armadas, justamente
quando mais urgente se faz sejam elas
reforçadas e modernizadas.
O atual mandato da Minustah se esgota em 15 de outubro vindouro. A data é próxima, e naturalmente não caberia retirada abrupta a essa altura.
Mas, sim, é preciso estar preparado
para, no caso de nova prorrogação,
podermos gradual, mas rapidamente
acertar com a ONU cronograma de
retirada. Passando adiante o bastão
que nossas Forças Armadas souberam empunhar de tão honrosa forma.
ROBERTO ABDENUR, 66, diplomata de carreira aposentado, foi embaixador do Brasil no Equador (1985-1988), na
China (1989-1993) e nos EUA (2004-2006), entre outros
países, além de secretário-geral do Itamaraty (1993-1994). É conselheiro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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