São Paulo, sábado, 24 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

É hora de o Brasil encerrar a missão no Haiti?

SIM

Novos desafios para as Forças Armadas

ROBERTO ABDENUR

FOI ACERTADO e oportuno o envio de tropas ao Haiti. Deu-se no contexto da intensificação de nossa atuação no continente e no plano global em geral, entre outras razões com vistas a reforçar nossas credenciais para a obtenção de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU -objetivo de todo válido, em que nossa diplomacia cedo ou tarde terá êxito (talvez mais cedo, em eventual governo Obama nos EUA).
Enche-nos de orgulho o notável desempenho de nossos soldados. Com a responsabilidade de liderar missão de extrema delicadeza, deram nossas Forças Armadas contribuição decisiva para a difícil transição política de que necessitava o Haiti para o apaziguamento das tensões, a recuperação da economia e a construção de instituições democráticas.
Para esse sucesso no campo militar muito contribuiu o empenho do Itamaraty na sustentação política da missão, com gestões no mais alto nível no Conselho de Segurança, no Banco Mundial e no BID e intensa movimentação para o êxito de duas conferências de países doadores.
Foi intenso o diálogo com os EUA, dada sua influência nos processos decisórios sobre a questão (a propósito, esclareço que nossa inclusão na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti -Minustah- não se fez a pedido ou a serviço dos EUA).
No que a mim dizia respeito, fui certa feita interpelado por altos funcionários norte-americanos que instavam as forças brasileiras a serem mais agressivas. Dei-lhes a resposta que daria qualquer brasileiro: não temos a tradição guerreira dos EUA. Preferimos prudência e comedimento, recorrendo à força apenas em última instância. A prioridade era a conquista da simpatia da população.
Tive mais tarde a satisfação de homenagear o general Heleno, cuja passagem por Washington se devia ao desejo das autoridades norte-americanas de recolher ensinamentos a partir da experiência vivida por nossas tropas, as quais vinham atuando por vezes mais na imposição do que apenas na manutenção da paz (observo que os EUA haviam fracassado em intervenções unilaterais no Haiti).
A Minustah foi profícua iniciativa também por seu caráter predominantemente sul-americano. A nós juntaram-se Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai.
Essa inédita experiência pode servir para avanços na articulação das forças da região para futuras operações de paz, objetivo que, suponho, recaia sob a égide de iniciativas como o Conselho de Defesa Regional e a Unasul (União das Nações Sul-Americanas).
Não obstante tudo o que se conseguiu, o Haiti por muito tempo necessitará de apoio externo, possivelmente com sucessivas extensões da Minustah (estiveram no país, entre 1993 e 2001, quatro outras operações semelhantes). Vale notar que a situação continua incerta, como ilustram as recentes manifestações de protesto contra os preços de alimentos.
Os gastos com a Minustah até agora foram investimento frutífero a serviço de nossos interesses e responsabilidades no plano internacional. Mas, a essa altura, novos desafios se apresentam a nossas Forças Armadas (e à diplomacia) -a proteção das águas territoriais em marco de virtual nova crise dos preços do petróleo; melhor defesa do espaço aéreo; e o resguardo da soberania sobre a Amazônia, quando preocupações internacionais com questões ambientais (e sua correlação com a escalada no preço de alimentos) trazem de novo à baila no exterior descabidas, inquietantes e inaceitáveis idéias sobre a região.
Acresce o notório sucateamento de parte substancial dos equipamentos das Forças Armadas, justamente quando mais urgente se faz sejam elas reforçadas e modernizadas.
O atual mandato da Minustah se esgota em 15 de outubro vindouro. A data é próxima, e naturalmente não caberia retirada abrupta a essa altura.
Mas, sim, é preciso estar preparado para, no caso de nova prorrogação, podermos gradual, mas rapidamente acertar com a ONU cronograma de retirada. Passando adiante o bastão que nossas Forças Armadas souberam empunhar de tão honrosa forma.


ROBERTO ABDENUR, 66, diplomata de carreira aposentado, foi embaixador do Brasil no Equador (1985-1988), na China (1989-1993) e nos EUA (2004-2006), entre outros países, além de secretário-geral do Itamaraty (1993-1994). É conselheiro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Ricardo Seitenfus: O Haiti não é aqui

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.