São Paulo, quinta, 24 de julho de 1997.



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Segurança não tem preço, cadeia tem custo

O caso norte-americano é exemplar: criminalidade não se resolve com leis severas e muita gente na cadeia


JULITA LEMGRUBER

Em meados de 1996, os EUA tinham 1,6 milhão de homens e mulheres presos e uma taxa de encarceramento de 615 presos por 100 mil habitantes. O Departamento de Justiça estimava que 1 em cada 20 cidadãos americanos passará algum tempo na cadeia durante sua vida.
Os EUA são hoje o segundo maior encarcerador do mundo, perdendo apenas para a Rússia, têm uma legislação penal muitíssimo severa, e a população de presos vem crescendo em proporção geométrica: se, em 1985, 1 em cada 320 americanos estava atrás das grades, em 1995 estava preso 1 em cada 167.
Manter um preso nos EUA custa mais do que manter um aluno em Harvard, uma das universidades norte-americanas mais caras. A Califórnia e a Flórida gastam mais em prisões do que em ensino superior. Seis Estados têm orçamentos superiores a US$ 1 bilhão para o sistema penitenciário. Aliás, entre 1976 e 1989, os Estados praticamente dobraram seus gastos com presos e prisões, reduzindo em 2% os investimentos no ensino elementar e secundário e em 6% aqueles no ensino superior.
Afinal, o que o povo dos EUA está ganhando em troca disso tudo? Os EUA estão vencendo a luta contra a criminalidade? Certamente não. As taxas norte-americanas de criminalidade violenta, por exemplo, são as mais altas entre os países desenvolvidos.
A título de ilustração, houve, em 1995, 10 homicídios por 100 mil habitantes naquele país, enquanto na França e na Alemanha, respectivamente, ocorreram 4,6 e 4,2 homicídios por 100 mil habitantes no mesmo ano. Ressalte-se, os dois últimos são países que têm cerca de 100 presos por 100 mil habitantes, ou seja, um sexto do índice dos EUA.
O caso norte-americano é exemplar: criminalidade não se resolve com leis severas e muita gente na cadeia.
Estudos do Banco Mundial sobre pobreza urbana na América Latina e no Caribe mostram que a criminalidade urbana violenta na região só poderá ser prevenida de forma eficaz por meio, principalmente, de investimentos consideráveis para reduzir o número de pobres das grandes cidades; melhorar suas condições de moradia; estimular a geração de empregos e propiciar crédito fácil para os pobres desenvolverem pequenos negócios; estimular programas educacionais e de lazer que mantenham os jovens distantes do crime e estratégias que reforcem o envolvimento da comunidade no combate ao crime. Por último, menciona o estudo, há que reformar a Justiça Criminal.
No Brasil, o número de presos cresceu de 129.169 em 1994 para 148.760 em 1995, elevando a taxa de presos por 100 mil habitantes de 88 para 95,5. Ou seja, no período de um ano, a população de presos cresceu muito mais rapidamente do que aquela em liberdade, e não se verificou qualquer redução significativa dos índices de criminalidade. Pesquisas em outros países já demonstraram que um aumento de 25% na taxa de encarceramento produz uma redução de apenas 1% na criminalidade.
Desses 148.760 presos, pelo menos 58 mil estão em xadrezes de delegacias policiais ou em cadeias públicas, milhares já condenados, todos abrigados em condições absolutamente degradantes, disputando espaço para dormir, por absoluta falta de vagas nas penitenciárias. E mais: cerca de 45 mil presos, no Brasil, cometeram crimes de menor gravidade e sem violência e poderiam estar sendo punidos com a prestação de serviços à comunidade.
Ao custo médio de R$ 4.440,00 anuais, esses 45 mil presos custam quase R$ 200 milhões ao ano, que é exatamente o que o Brasil desperdiça mantendo na prisão quem não constitui ameaça concreta ao convívio social. Com esses R$ 200 milhões, é possível construir 18.163 casas populares.
Ora, já estamos cansados de saber que a pena de prisão é cara e ineficaz; não inibe a criminalidade e favorece a reincidência; destrói indivíduos, aniquilando sua auto-estima e embrutecendo-os; e separa famílias. Sabe-se que quem sai das penitenciárias, em geral, sai pior e, ao reincidir, frequentemente comete crimes mais graves, ao contrário dos punidos com penas alternativas, que reincidem muito menos.
Sem dúvida, é imprescindível a construção, a curto prazo, de algumas penitenciárias, para retirar os presos das delegacias, mas, a médio e longo prazos, o que precisamos é mudar a legislação, de forma a permitir que todos os infratores que cometem crimes sem violência possam ser punidos, por exemplo, com a prestação de serviços.
Está mais do que na hora de avaliar com seriedade a relação custo-benefício da pena de prisão. O contribuinte não merece que seu dinheiro continue sendo desperdiçado, mantendo na prisão quem não precisa lá estar. Ou bem se resolve gastar esse dinheiro de maneira eficaz ou a insegurança aumentará, os custos das cadeias também, e todos nós, brasileiros, estaremos vivendo no pior dos mundos.
Julita Lemgruber, 52, socióloga, é assessora técnica da Secretaria de Justiça e Interior do Estado do Rio de Janeiro e integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.





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