São Paulo, terça-feira, 24 de julho de 2007

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MARCOS NOBRE

Justiça e política

FAZ UMA semana. Uma semana à procura de um culpado, de uma causa única para explicar a tragédia. Mas, quanto mais se procura, mais fica claro que as causas são muitas e de ordens distintas. Problemas técnicos, jurídicos e políticos se misturam e se confundem. É preciso separá-los com cuidado. Além de fazer justiça, é preciso também desatar um nó político. Falar de "tragédia anunciada" é o mesmo que reduzir o problema ao de um sabido qualquer que a anunciou e que agora procura um surdo como culpado.
Comemorar a notícia de que o avião não se encontrava em perfeitas condições para voar é quase um atestado de insanidade.
Congonhas é um aeroporto encravado em uma zona residencial densamente povoada. Devia ser simplesmente transformado em parque, preservado o seu importante patrimônio arquitetônico. O acidente poderia ter sido evitado.
Por que então aconteceu? O interesse de uma companhia aérea prevaleceu sobre o princípio elementar de prudência de retirar de circulação um avião que sabidamente poderia vir a apresentar problemas mecânicos. O governo federal até agora tinha feito que não era com ele porque isso o obrigaria a planejar uma desativação progressiva de Congonhas e uma expansão ainda maior seja do aeroporto de Guarulhos, seja de Campinas, ou mesmo a construção de um novo. O governo estadual até hoje não se resolve a construir transporte público eficiente e rápido para um aeroporto de maior capacidade. O governo municipal acha que o aeroporto de Congonhas não fica na cidade de São Paulo. Tudo isso somado, não espanta que muitos passageiros continuem a preferir um aeroporto central (demais) à aventura de Guarulhos.
Esse nó de interesses está amarrado ainda a um clima de enorme tensão. Os controladores de vôo não conseguem mais suportar a pressão a que estão submetidos. Os trabalhadores das companhias aéreas estão em permanente estado de estresse. Os passageiros já não suportam mais filas intermináveis, atrasos e cancelamentos, descaso.
Procurar responsáveis é tarefa da Justiça. E é necessário que ela se faça. Mas é preciso ir ainda mais longe, porque atribuir responsabilidades não vai resolver o problema estrutural que está na base do acidente. É preciso também obrigar companhias aéreas e governos de todos os níveis a resolver o problema. Vai levar tempo, com certeza.
E vai exigir muita pressão da sociedade para que não se perca de vista a solução. Porque, quando se trata de política, buscar culpados é a maneira mais segura de deixar tudo como está.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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