São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
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TOLERÂNCIA E HUMANIDADE

O novo ministro da Justiça, José Carlos Dias, observou, logo depois de tomar posse no cargo, que apóia a proposta de extensão do aborto legal para casos em que há grande probabilidade de a criança, após nascer, ter "graves e irreversíveis anomalias" que tornem sua vida inviável. É o que ocorre quando há evidências de que a criança não terá, por exemplo, condições de sobreviver fora do útero materno, ou estará condenada a uma vida vegetativa. São terríveis situações que a ciência tem cada vez mais condições de bem avaliar.
O Código Penal brasileiro de 1940, em seu artigo 128, prevê que não será punido o médico que realizar aborto em duas situações, sempre com o desejo manifesto da mulher ou responsável legal: em caso de haver risco de vida para a gestante e quando a gravidez for decorrente de estupro.
Mas a questão não deixa de ser controversa mesmo nesses casos. Interferem nesse debate argumentos apaixonados, oriundos de dogmas religiosos e morais radicais.
Por outro lado, a quantidade de abortos feitos, na prática, é muito maior que o número concedido pela Justiça. Por serem ilegais, os primeiros tendem a ser feitos em situações de atendimento precário ou mesmo criminosamente inepto. Dessa forma, o risco de vida para a mulher aumenta muito se comparado com países onde a prática, legalizada, é devidamente acompanhada por médicos e realizada com equipamentos e em clínicas adequadas.
A proposta de ampliação do número de casos em que o aborto seria permitido está em um anteprojeto que visa a reformar e atualizar o Código Penal de quase 59 anos.
Aplicada, talvez tenha como mérito retirar parte dos abortos da clandestinidade, dando mais segurança às mulheres que optarem por interromper a gravidez nos casos previstos.
Em questões controversas como essa, que estão no limiar entre tolerância e humanidade, os avanços necessariamente têm de ser feitos paulatinamente, mas com firmeza. O ministro José Carlos Dias demonstra coragem em colocar sua opinião, que pode contribuir positivamente para a aprovação do projeto.


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