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CARLOS HEITOR CONY
O sol também se levanta
RIO DE JANEIRO - Muitos não compreenderam a perplexidade dos altos
burocratas da antiga União Soviética
por ocasião da morte de Stálin. Um
deles, o próprio Kruschev, que o sucederia no poder, confessou o seu receio
de que o sol, no dia seguinte, não se
levantaria de seu túmulo e não iluminaria o santo chão da santa Rússia. Se um califa do porte de Kruschev
temia este Dia de Trevas, imagine-se
o pavor do mujique que ao longo das
vastas estepes acreditava sinceramente que Stálin fazia o mundo girar
e o sol nascer.
Quando morreu Chagall, o fotógrafo Frederico Mendes ligou-me, apavorado: "E agora? O que vai ser de
nós?". De certa forma, ele também
achava que o sol não mais nasceria
para nos esquentar e iluminar.
Lembro os dois fatos por causa do
dia de hoje. Em 1954, num 24 de
agosto, Getúlio Vargas suicidava-se
no Palácio do Catete. Acredito que
não fui o único brasileiro que, no primeiro instante, duvidou de que o sol
se levantaria no dia seguinte.
Não vai nisso nenhuma veneração,
nenhum respeito especial pelo caudilho que nos governou durante 20
anos. Mas de tal maneira estávamos
habituados a ele e ele a nós que a sua
morte foi um clarão às avessas, um
raio de treva que nos mergulhou na
escuridão, na incerteza do dia de
amanhã.
Seus próprios adversários, aqueles
que desejavam destruí-lo, ficaram
atônitos, desorientados, sem saber se
deveriam festejar ou lamentar aquele
tiro que estraçalhou o coração do antigo ditador.
Por falar em ditador, quando mataram César, pelo menos Marco Antônio, antes daquele discurso que
Shakespeare escreveu para ele, deve
ter duvidado de que o mundo continuaria o mesmo. Botou a culpa nos
homens honrados que conspiraram
contra o seu amigo -e tudo continuou na mesma, o sol não tomou conhecimento dos espantos e das dores
dos homens.
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