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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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POR DETRÁS DAS GRADES

No ano passado , a população carcerária dos Estados Unidos atingiu um novo recorde ao chegar a 2,1 milhões de pessoas. A proporção de presos era de 1 para cada 143 habitantes. O aumento em relação ao ano anterior foi de 2,6%. Segundo estudo do Escritório de Estatísticas Judiciárias, ligado ao Departamento de Justiça norte-americano, em 2001, um em cada 37 adultos estava preso ou já havia passado algum tempo no sistema penitenciário. Em números absolutos, trata-se de um exército de 5,6 milhões de presidiários e ex-presidiários, que representa 2,7% da população adulta do país.
Essas cifras se referem apenas a presos julgados e condenados a cumprir pena em instituições federais e estaduais. Excluem-se, portanto, todas as pessoas detidas temporariamente em delegacias e distritos.
O estudo traz uma projeção alarmante: mantidas as atuais taxas de encarceramento, 6,6% das pessoas nascidas em 2001 passarão algum tempo de suas vidas presas nos EUA. Entre 1974 e 2001, o número de presidiários e ex-presidiários cresceu em incríveis 3,8 milhões. Destes, 2,7 milhões são reincidentes.
Especialistas atribuem o aumento a uma série de causas, entre as quais as crescentes condenações de criminosos considerados não-violentos. Metade dos prisioneiros federais do país estão encarcerados por tráfico ou consumo de drogas.
É claro o viés racial e de gênero das prisões. Em 2001, os presos homens equivaliam a quase 5% da população masculina, enquanto o total de presidiárias não chegava a 1%. Entre homens negros, o número de presos chega a 17%, contra 7,7% de hispânicos e apenas 2,6% daqueles que os americanos consideram brancos.
Independentemente do eventual racismo das autoridades na hora de prender e processar, aí está um indicativo de que a epidemia de encarceramentos se transmite horizontalmente na comunidade e verticalmente entre pais e filhos. A prisão de um pai tende a desestruturar a família, o que pode ser um fator que precipita a entrada do filho na marginalidade.
A experiência americana é especialmente útil para o Brasil, que, diante de um real ou suposto aumento da violência, também cogita o endurecimento de penas. A sensação de impunidade que se difunde na sociedade estimula frequentes apelos para que a consequência de todo delito seja levar o autor para a cadeia. São conhecidos os discursos demagógicos de políticos, principalmente em tempos de eleição, em torno do tema da "tolerância zero". É claro que todos os que cometam crimes graves, especialmente os que representem ameaça física para a sociedade, precisam ser encarcerados, mas a prisão não é a única -nem a melhor- forma de punição para todos os delitos.
Para não seguir os temerários passos dos EUA no campo penal, o Brasil não deveria ceder à lógica emocional do "é preciso prender", que, além de tudo, gera altos custos materiais para a sociedade. O preço que os Estados Unidos pagam para manter tantos presos é astronômico: US$ 40 bilhões anuais, o que equivale a R$ 120 bilhões. Ou seja, mesmo que o Brasil decidisse seguir a senda carcerária norte-americana, não teria os recursos para fazê-lo.
Em vez de apenas prender mais, como muitos parecem querer, precisamos aprender a prender bem, isto é, reservar a reclusão para bandidos realmente perigosos, punindo os demais delitos com penas alternativas.


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