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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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A GUERRA DA PRESSÃO

Médicos europeus e norte-americanos estão em guerra. O motivo da disputa é a hipertensão arterial, mais especificamente a sua conceituação. Quem deu início à escaramuça foram os americanos.
Em maio, o Comitê Nacional Conjunto para a Prevenção, Detecção, Avaliação e Tratamento da Hipertensão divulgou relatório em que alterava os parâmetros clássicos e considerava pessoas com pressão superior a 120 por 80 mmHg -o popular 12 por 8- como pré-hipertensas. Muita gente se assustou.
No mês passado, os europeus reagiram e publicaram diretrizes em que reiteram que pessoas com pressão até 129 por 84 mmHg são absolutamente normais. O Brasil, com a publicação, em junho, das "IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial", também acompanha as definições clássicas.
Não existem dúvidas, nos meios médicos, de que, dentro de parâmetros compatíveis com a vida, quanto menor for a pressão arterial, melhor para o paciente. A questão que se coloca em termos de saúde pública é quando a hipertensão deve ser tratada e como, isto é, quando se deve recomendar a mudança de hábitos e quando devem entrar os remédios.
Por esse ângulo, as diferenças entre norte-americanos, de um lado, e europeus e brasileiros, de outro, não são tão acentuadas. É que para os "pré-hipertensos" os médicos dos EUA não indicam o tratamento medicamentoso, mas apenas a mudança de hábitos. É o mesmo que europeus e brasileiros fazem para quem não tem pressão superior a 140 por 90 mmHg e não apresenta outras doenças que possam elevar o risco da hipertensão arterial.
O que pode ter motivado a mudança dos critérios americanos, além de uma pressão indireta da indústria farmacêutica (alguns "pré-hipertensos preferirão tomar remédios a exercitar-se ou perder peso), é a baixa adesão do paciente hipertenso ao tratamento. Esse é um problema mundial e que ocorre até mesmo entre médicos. Pesquisa feita no Hospital das Clínicas de São Paulo mostra que 60% dos médicos hipertensos não se tratam. E aqui diferenças culturais podem ter levado os norte-americanos a julgar conveniente "assustar" um pouco mais a população.
Não é uma aposta sem riscos. Tentar promover o bem pelo medo não costuma ser a melhor política. Entre os efeitos colaterais indesejáveis dessa estratégia estão a angústia infundada de muitas pessoas e o incentivo à automedicação.
Parece correta a posição, adotada por médicos europeus e brasileiros, de não alterar os conceitos vigentes sem que se apresentem antes vários trabalhos científicos que comprovem a necessidade de fazê-lo.


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