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CARLOS HEITOR CONY
Sinfonia macabra
RIO DE JANEIRO - Manhã do último sábado. Um grupo de traficantes da favela da Rocinha voltava de
uma festa na favela do Vidigal. Os
dois morros não chegam a ser rivais, mas espremem um dos bairros
nobres da zona sul da cidade. Tampouco são dos mais ferozes.O Complexo do Alemão, na zona norte, é
mais letal.
Os bandidos estão armados,
sempre estão com armas, mas naquela manhã não pretendiam assaltar ou sequestrar os moradores
do local. Simplesmente voltavam
para casa depois de uma noite de
festa.
Um acaso: passou por eles um
carro da polícia em ronda de rotina,
os bandidos se abrigaram num hotel cinco estrelas de uma rede mundial, obviamente chamado de Intercontinental. Prenderam hóspedes e funcionários, que foram mantidos como reféns para servir de negociação com a polícia. Mesmo assim, o tiroteio se espraiou numa cena de guerra civil.
Com o natural direito ao "jus esperneandi", a cidade estupefata
correu para as tevês e os rádios que
cobriam o tiroteio. A trilha sonora
era na base do som direto, metralhadoras e armas de diferentes calibres executavam uma sinfonia macabra, como a dança homônima de
Saint-Säens.
Não se tratava de um assalto nem
de uma briga entre quadrilhas rivais. Era a natural decorrência de
um Estado dentro do outro, com
suas leis e propósitos antagônicos.
De certa forma, os cariocas estão
se habituando a conviver com a violência. Encaram a luta entre bandidos e policiais como uma enchente
que paralisa a cidade, num surto de
horror.
Tanto as autoridades antigas como as atuais contabilizam os mortos e feridos e continuam executando planos que até agora não deram
certo. O resto da população se exalta contra a polícia e o traficante.
Quem paga a polícia é o Estado.
Quem paga o traficante?
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