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Degradação
Conspiradores se dizem vítimas de conspiração, mafiosos acusam quem os indicia, intelectuais militam na mentira
NADA MAIS sintomático
-sintomático da degradação de um partido antes identificado
com a ética na política- do que o
argumento petista segundo o
qual o chamado "escândalo do
dossiê" visaria a conturbar o pleno transcurso do calendário
eleitoral.
Flagrados de novo em ato explícito de delinqüência, setores
próximos ao presidente Lula
reagem com um desgastado repertório de absurdos. Confiantes
no sucesso da candidatura petista e na credulidade da população,
sustentam que o presidente da
República "só teria a perder"
com a estúpida trama que a Polícia Federal veio a revelar. Tudo
teria sido uma tentativa de "melar" as eleições presidenciais.
Não é verdade. De Freud Godoy a Jorge Lorenzetti, de Jorge
Lorenzetti a Ricardo Berzoini, o
que se viu foi o envolvimento de
nomes historicamente ligados a
Lula e à hierarquia petista numa
trama destinada a favorecer a
candidatura de Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo.
Caso o esquema desse certo,
seriam José Serra, adversário de
Mercadante, e Barjas Negri, seu
sucessor no Ministério da Saúde
do governo Fernando Henrique,
as figuras a monopolizar o noticiário em torno do escândalo dos
sanguessugas. Se houver, as responsabilidades de ambos terão
de ser identificadas com máximo
e idêntico rigor.
Mas o esquema não deu certo.
O malogro resultou em infortúnio para o PT e seu candidato à
Presidência. Revelou-se mais
um ato de violência intimidatória -o mais grave, sem dúvida-
a cobrir de vergonha a legenda do
Partido dos Trabalhadores.
Compra-se, com dinheiro sujo,
um dossiê capaz de incriminar
oposicionistas. Após o flagrante
policial, jorram lágrimas de crocodilo. Conspiradores sem escrúpulo se dizem vítimas de
conspiração. Mafiosos acusam
quem os indicia. Intelectuais se
tornam militantes da mentira.
Como nos tempos de Stálin, setores de esquerda se esfalfam em
condenar os que não ficam cegos
aos desmandos do tirano.
Lula não é nenhum tirano.
Mas, se ele próprio é levado a
condenar a felonia de seus companheiros, sua candidatura representa a tolerância com toda
uma quadrilha.
Uma quadrilha que vê, na ilegalidade, a volta ao charme romântico de uma época em que
havia méritos em ser clandestino. Uma quadrilha que aproveita, do messianismo ideológico de
outros tempos, os argumentos
de que a elite quer apeá-la do poder. Uma quadrilha que, por fidelidade ao chefe, por submissão
ao chefe, imagina agradá-lo
quando mergulha na prepotência, no autoritarismo, na chantagem e na corrupção.
Talvez o chefe goste disso. Talvez premie, num futuro mandato, asseclas menos desastrados.
Tudo depende do aval que lhe
derem as urnas. Esta Folha
mantém, como sempre, o compromisso de apartidarismo que
está entre as razões de ser de sua
atividade jornalística.
Nas eleições que opuseram
Fernando Collor de Mello, de
um lado, e Luiz Inácio Lula da
Silva, de outro, este jornal não
tomou partido. Os asseclas de
Collor promoveram uma patética invasão da Folha uma semana depois da posse. Os asseclas
de Lula por ora se limitam a reclamar de supostas malevolências oposicionistas.
Não há malevolência, porém,
diante do fato consumado. Não
há inocência tampouco. No âmago do governo Lula, age uma organização disposta a quase tudo
para se manter no poder. De seu
sucesso -ou não- depende o futuro da democracia brasileira.
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