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São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

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MARCIO AITH

A penhora da soberania

SÃO PAULO - Foi-se o tempo das moratórias com final previsível. Aquelas que motivavam negociações com grupos seletos de bancos e se encerravam na reinserção das nações nos mercados de capitais, ainda que em condições desfavoráveis a elas.
Naqueles velhos tempos, restava aos poucos credores que se negavam a aderir ao acerto a opção da lenta e ineficaz justiça internacional.
Décadas se passaram desde então, criando uma realidade assustadora para a soberania dos países devedores. A sofisticação dos mercados financeiros pulverizou os credores, dificultando a obtenção de um consenso entre eles. Além disso -o que é pior-, cortes de Nova York e de países europeus criaram o entendimento de que um credor pode penhorar no exterior, de forma rápida, bens públicos essenciais de países devedores.
A moratória argentina, a maior da história em volume e em complexidade, evolui nesse novo contexto. Com um agravante: para captar recursos em dólar, o ex-presidente Carlos Menem incluiu, em grande parte dos títulos emitidos por seu país, a renúncia expressa à imunidade diplomática. Ou seja: reforçou o direito dos credores à penhora de salários de diplomatas argentinos, de imóveis no exterior e de recursos enviados para pagamento de aluguéis e de dívidas que o país julga legítimas.
No último mês, o presidente Néstor Kirchner cancelou viagem à Alemanha e à Itália porque credores ameaçaram arrestar o avião presidencial. Além disso, para evitar a penhora de salários, o país passou a pagar seus diplomatas em espécie, por malote. Não se via esse método desde que banqueiros de Florença e de Gênova criaram instrumentos financeiros e contábeis básicos, no século 15.
Essa nova realidade está tirando das nações emergentes os poucos benefícios das moratórias. É como se a Justiça de países ricos estivesse tentando coibir o direito das nações em desenvolvimento à eutanásia.


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