São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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VINICIUS TORRES FREIRE

Tiros, juros, inflação e pobreza

SÃO PAULO - O debate e a votação sobre o comércio de armas difundiram de vez entre o cidadão médio o conhecimento de quanto o país é excepcional. A estatística é cediça, mas agora é sabedoria pop que o Brasil está entre a meia dúzia de países de maior difusão do assassinato.
O Brasil é excepcional de fato, está na estatística: estamos na divisão de elite de vários horrores essenciais. Maior desigualdade. Maiores juros. Dos últimos a conter a inflação. Das maiores inflações crônicas da história. Da maior ignorância de sua classe de renda. Dos últimos a acabar com a escravidão. Do maior Estado ineficiente em sua categoria econômica. Das maiores economias informais. Esses horrores são causas ou efeitos uns dos outros? Mas a coincidência de tantos recordes lamentáveis num lugar só não é casual.
Nossa desigualdade moderna consolidou-se com o Estado desenvolvimentista, uma ilha de acesso a bens de consumo à base de inflação e ineficiência econômica, que não fez reforma agrária e largou o povo na ignorância e sem direitos sociais. Tal desenvolvimento redundou em urbanização rápida e selvagem.
Os juros altos vieram da inflação crônica, do Estado enorme e endividado, dos próprios juros altos para dar conta de parte do problema monetário, da pobreza e da alta propensão a consumir, da desordem jurídica, do mercado ineficiente e entrevado por leis lunáticas. Tal desenvolvimento e a quebra do Estado desenvolvimentista redundou em uma informalização selvagem da economia e das cidades, camelô e favela.
A desesperança sistêmica, o niilismo popular, floresceram nesse ambiente de pobreza crônica; no inferno urbano, de informalidade, de descrença geral na vida regular, na Justiça, na perspectiva de participar de sociedade e mercado organizados.
Largou-se o povo na promiscuidade da anomia, numa prisão social aberta para a bandidagem, suas armas, suas drogas. Foi nesse lodo de incivilização que inflação, juros, ausência de Justiça e de direitos se fundiram para propiciar nossos recordes de horrores, talvez também na mania de atirar. Criamos a cultura da desordem molecular crônica, da informalidade social sistêmica.

@ - vinit@uol.com.br


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