São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Recuperar as bibliotecas paulistanas

CARLOS AUGUSTO CALIL

Em edição do dia 30 de setembro, esta Folha publicou reportagem sobre o atendimento improvisado das bibliotecas municipais: falta de funcionários, problemas de infra-estrutura, acervos desatualizados e maltratados. Relato de uma situação de precariedade, de instituições degradadas em que faltam condições mínimas de trabalho e de atendimento adequado ao público.


As atuais mazelas da Biblioteca Mário de Andrade não são recentes, datam de pelo menos 30 anos


Infelizmente, tal quadro não é característico apenas das bibliotecas menores, que atendem em seus bairros a demandas localizadas, mas se estende também à Biblioteca Mário de Andrade, a maior biblioteca pública da cidade, segundo maior acervo do país.
As atuais mazelas da Biblioteca Mário de Andrade não são recentes, datam de pelo menos 30 anos e as propostas que o poder público municipal formulou nesse período ou não se concretizaram ou se desviaram do rumo traçado, caso do Centro Cultural São Paulo, concebido inicialmente para ser extensão da biblioteca, que acabou adquirindo autonomia.
Há décadas na pauta de urgências, a decomposição física e institucional da Biblioteca Mário de Andrade é apenas o sintoma mais agudo de uma doença que ataca as instituições públicas governamentais após o poder público, nas suas várias instâncias, ter optado por investir em cultura privatizando a aplicação dos recursos decorrentes da renúncia fiscal. Faltou e falta orçamento para a manutenção de museus, bibliotecas, centros culturais, teatros, monumentos históricos, que não são normalmente contemplados pela lógica do investimento privado com recursos públicos. Esse procura os eventos de grande impacto na mídia, ou os institutos culturais que levam os nomes das instituições mantenedoras.
A exceção que confirma a regra é a reforma da Biblioteca Anne Frank, no Itaim, empreendida em 2002 com o apoio da Visa e da empresa cinematográfica Grifa. Utilizando recursos de incentivo fiscal para recuperar e modernizar uma instituição governamental, o projeto converteu-se em iniciativa modelar que pode e deve inspirar ações similares.
A situação de degradação das instituições, contudo, é de tal extensão que se trata de tornar a recuperação do patrimônio público mais um plano de governo do que uma meta pontual.
Com o intuito de revitalizar essas importantes instituições e promover sua efetiva modernização, a Secretaria Municipal de Cultura acaba de empreender uma reforma administrativa, criando o Sistema Municipal de Bibliotecas, que passa a administrar de forma integrada as 82 unidades da rede e alçando a Biblioteca Mário de Andrade ao nível de departamento.
À primeira vista, podem parecer respostas meramente burocráticas a problemas muito concretos. Trata-se, no entanto, de criar os mecanismos necessários à recuperação das bibliotecas, dotando-as de rede de informatização, funcionários especializados, acervos atualizados, autonomia gerencial e, por último, mas não menos importante, de limpeza e manutenção.
Felizmente não se verificou o apocalipse apregoado durante muito tempo, que condenava a leitura a hábito do passado, em detrimento do apelo audiovisual e cibernético dos meios contemporâneos.
Existe hoje, especialmente em grandes centros urbanos onde o tempo é dedicado mais ao trabalho que ao lazer e os equipamentos culturais estão distribuídos de forma bastante desigual, uma forte tendência a que as pessoas privilegiem o consumo de bens simbólicos em domicílio. Não se pode esquecer, contudo, de que em vista da carência de computadores e de domicílios confortáveis, emergiu uma demanda latente por equipamentos culturais, espaços de convivência que sejam capazes de suprir carências culturais e educacionais. Essa demanda se adensa à medida que se segue em direção à periferia. Cidade Tiradentes, uma das regiões mais empobrecidas da cidade, onde 280 mil pessoas vivem desprovidas de qualquer instituição cultural, pleiteia agora a construção de uma biblioteca, seu primeiro equipamento público.
Para Mário de Andrade, criador há exatos 70 anos da primeira Secretaria de Cultura, a biblioteca, "em vez de esperar pelo público", deve ir "em busca do seu público onde este estiver".

Carlos Augusto Calil, 54, é secretário de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Documentarista e escritor, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, foi diretor da Embrafilme (1979-86) e do Centro Cultural São Paulo (2001-2005).


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