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JOSÉ SARNEY
É isso aí!
Gosto do Armínio Fraga, que,
com sua competência, deu uma
cara nova a esse intrincado e misterioso mundo, que é o Banco Central. Ele
tem estilo. Mas não gostei de sua boutade sobre a compra, pelo Santander,
do Banespa, quando afirmou "que ele
levou a jóia de nossa Coroa".
Essa expressão era muito usada no
tempo do colonialismo, para representar onde os impérios exploravam e
ganhavam mais. A Inglaterra costumava dizer que a Índia "era a jóia da
Coroa britânica". Portugal, no início
de sua expansão pelos mares do mundo índico, chama Goa de "Goa Dourada", outra jóia, e não seria exagero relembrar que Castela, ao receber o ouro
e a prata dos impérios asteca e inca,
também considerava o México e Peru
jóias da Coroa. Se o Banespa era essa
"jóia", não podia ser vendida nem
perdida; se é uma pedra falsa, não fica
bem ao presidente do Banco Central
dourar a pílula para os espanhóis,
mascarando que compraram gato por
lebre, estanho por ouro, vidro por diamante.
Mas a impropriedade do doutor Armínio Fraga, ao comemorar os sete bilhões pelo Banespa, continuou, ao dizer que a venda "encerrou um ciclo de
consolidação do setor bancário do
Brasil" e concluiu eufórico: "Agora vai
restar meia dúzia". Ora, se foi esse leilão a conclusão de um ciclo histórico,
por que se fechar a história do setor
bancário brasileiro com a entrega da
última e preciosa jóia da Coroa? A afirmação de que agora "só vai restar
meia dúzia" assusta. Quando se pregam as excelências do mercado, da
competitividade, evidentemente se reduz o mesmo mercado, que fica na
mão de seis gatos, que não são pingados, a competição desaparece e aumenta a possibilidade de oligopólio,
coisa que no Brasil parece não chocar
mais ninguém porque, em vez de exceção, é regra.
Qual, afinal, a grande vantagem da
privatização do Banespa? Ficou resumida a três: 1) vender-se a melhor jóia
da Coroa; 2) reduzir-se o mercado a
"só vai restar meia dúzia"; 3) amortizar-se 0,7% da dívida, isto é, nada.
Mas "o modelo" tem esses resultados anódinos, já que todo o esforço
econômico é destinado a gerar saldos
de exportação que devem reverter para pagar custos financeiros. Como não
conseguimos alcançar esses saldos, o
furo deve ser coberto com a venda das
"jóias". A dívida passa a ser o epicentro
dos nossos problemas. Assim era no
passado, e eu pensava que não era
mais. A verdade é que a dívida é uma
obrigação considerada irredutível que
consome uma substancial parcela.
Então vamos reduzir o que pode ser
reduzido, que não tem a força de pressão dos credores internacionais: investimentos em infra-estrutura, educação, saúde, créditos a empresas, defesa nacional, salário e programas sociais. E daí surge o coro a maldizer o
Brasil, país injusto etc.. Injusto é esse
"tempo de viver-se", como dizia o
poeta Tribuzzi, em que a especulação
financeira internacional, a fluidez dos
capitais viajantes, a colonização econômica e a impossibilidade de reagir
nos condenam à recessão e ao desemprego.
O resultado de tudo isso é a cultura
de aspirações que estamos criando.
Leio que, numa pesquisa de desejos
feita nas escolas públicas, a frase mais
representativa dos alunos sobre o que
aspiravam do futuro foi: "Quero uma
cidade tecnológica, um computador e
uma mulher."
É isso aí.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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