São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2000

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JOSÉ SARNEY
É isso aí!

Gosto do Armínio Fraga, que, com sua competência, deu uma cara nova a esse intrincado e misterioso mundo, que é o Banco Central. Ele tem estilo. Mas não gostei de sua boutade sobre a compra, pelo Santander, do Banespa, quando afirmou "que ele levou a jóia de nossa Coroa".
Essa expressão era muito usada no tempo do colonialismo, para representar onde os impérios exploravam e ganhavam mais. A Inglaterra costumava dizer que a Índia "era a jóia da Coroa britânica". Portugal, no início de sua expansão pelos mares do mundo índico, chama Goa de "Goa Dourada", outra jóia, e não seria exagero relembrar que Castela, ao receber o ouro e a prata dos impérios asteca e inca, também considerava o México e Peru jóias da Coroa. Se o Banespa era essa "jóia", não podia ser vendida nem perdida; se é uma pedra falsa, não fica bem ao presidente do Banco Central dourar a pílula para os espanhóis, mascarando que compraram gato por lebre, estanho por ouro, vidro por diamante.
Mas a impropriedade do doutor Armínio Fraga, ao comemorar os sete bilhões pelo Banespa, continuou, ao dizer que a venda "encerrou um ciclo de consolidação do setor bancário do Brasil" e concluiu eufórico: "Agora vai restar meia dúzia". Ora, se foi esse leilão a conclusão de um ciclo histórico, por que se fechar a história do setor bancário brasileiro com a entrega da última e preciosa jóia da Coroa? A afirmação de que agora "só vai restar meia dúzia" assusta. Quando se pregam as excelências do mercado, da competitividade, evidentemente se reduz o mesmo mercado, que fica na mão de seis gatos, que não são pingados, a competição desaparece e aumenta a possibilidade de oligopólio, coisa que no Brasil parece não chocar mais ninguém porque, em vez de exceção, é regra.
Qual, afinal, a grande vantagem da privatização do Banespa? Ficou resumida a três: 1) vender-se a melhor jóia da Coroa; 2) reduzir-se o mercado a "só vai restar meia dúzia"; 3) amortizar-se 0,7% da dívida, isto é, nada.
Mas "o modelo" tem esses resultados anódinos, já que todo o esforço econômico é destinado a gerar saldos de exportação que devem reverter para pagar custos financeiros. Como não conseguimos alcançar esses saldos, o furo deve ser coberto com a venda das "jóias". A dívida passa a ser o epicentro dos nossos problemas. Assim era no passado, e eu pensava que não era mais. A verdade é que a dívida é uma obrigação considerada irredutível que consome uma substancial parcela. Então vamos reduzir o que pode ser reduzido, que não tem a força de pressão dos credores internacionais: investimentos em infra-estrutura, educação, saúde, créditos a empresas, defesa nacional, salário e programas sociais. E daí surge o coro a maldizer o Brasil, país injusto etc.. Injusto é esse "tempo de viver-se", como dizia o poeta Tribuzzi, em que a especulação financeira internacional, a fluidez dos capitais viajantes, a colonização econômica e a impossibilidade de reagir nos condenam à recessão e ao desemprego.
O resultado de tudo isso é a cultura de aspirações que estamos criando. Leio que, numa pesquisa de desejos feita nas escolas públicas, a frase mais representativa dos alunos sobre o que aspiravam do futuro foi: "Quero uma cidade tecnológica, um computador e uma mulher."
É isso aí.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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