São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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PRIMEIRAS ESCOLHAS

O Partido dos Trabalhadores logrou conquistar uma certa trégua na transição. Dos funcionários do Fundo Monetário Internacional que estiveram no país aos setores da política derrotados com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, passando pelos sempre nervosos agentes do mercado financeiro, prevalece um tom de relativa paciência no ar.
Não custa lembrar que, poucos dias antes do segundo turno, chegaram a circular análises prevendo que, se Lula não anunciasse os nomes-chave de sua equipe econômica tão logo fosse eleito, o circuito financeiro seria lançado em nova e aguda crise. Entretanto quase um mês já se passou desde o 27 de outubro e ainda não foram anunciados os nomes que ocuparão o primeiro escalão do governo Lula. Foi dito apenas que o ex-prefeito de Ribeirão Preto Antônio Palocci Filho estará entre eles. Mas o cargo exato que ocupará no Executivo ainda não foi divulgado.
Para muitos, é como se o clima festivo de uma campanha vitoriosa ainda estivesse prevalecendo sobre tarefas menos "populares" de governo, tais como a escolha de que grupos ascenderão ao ministério, a decisão acerca do salário mínimo, o esboço de uma agenda legislativa etc. O mote "paz e amor", nessa visão, teria ganho uma sobrevida para além do período de campanha eleitoral.
Porém, numa outra análise, é possível aventar uma hipótese diferente: na verdade, o PT apenas conquistou um período de relativa tranquilidade para articular sobre nomes e políticas de governo justamente porque já estabeleceu linhas de contato como importantes forças políticas.
A retórica de campanha -que procurou afastar antigos bordões esquerdistas do PT como o repúdio à Alca e, em seu lugar, colocar termos como "respeito aos contratos internacionais"- foi acompanhada de um trabalho de aproximação entre lideranças petistas e assessores do presidente dos EUA, George W. Bush. A reunião, na semana que passou, entre a cúpula do PT e o então responsável pela América Latina no Departamento de Estado foi um desses lances. Lula, vale lembrar, deve visitar Bush no mês que vem.
Não parece estranho, nesse contexto, que os petistas tenham conseguido evitar, também na semana passada, que a missão do FMI tentasse obter já um possível aumento na meta do superávit primário do ano que vem. Os técnicos do Fundo concordaram em postergar essa delicada discussão para fevereiro.
A trégua até aqui conquistada pelo PT, portanto, se assenta ao menos em parte numa aproximação política com forças que, não faz muito tempo, eram enxergadas como inimigas pelo partido. É evidente que está muito cedo para afirmar que essa aproximação se converteu num compromisso propriamente dito. Mas já é possível vislumbrar as primeiras escolhas da equipe do presidente eleito, que parecem indicar a preferência por uma transição "lenta, gradual e segura".
O risco é que o caminho escolhido se mostre, ao final, uma via definitivamente incompatível com a consecução da promessa fundamental da campanha de Lula, que foi a de promover crescimento econômico com distribuição de renda.


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