São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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VINICIUS TORRES FREIRE

Os catadores de papel

SÃO PAULO - É só impressão, mas São Paulo parece a cidade em que os catadores de papel e suas carroças mais estão integrados à paisagem. Os paulistanos, em especial os mais ricos, apresentam um terrível pendor para degradar paisagens. Não deveria ser surpresa, pois que cada vez mais vejo paulistanos motorizados com ganas de atropelar os catadores e suas carroças. Atrapalham o trânsito, sabe como é. Quanto a parar o carro em fila dupla diante de restaurante ou escola, tudo bem. O problema é o carroceiro.
Os catadores são heróis do empreendedorismo, do associativismo, do desenvolvimento sustentável, da conservação ambiental, vanguarda do terceiro setor -para usar cinicamente uns clichês destes dias.
O país recupera menos de 5% de seu lixo. Mas recicla cerca de 80% de suas latinhas e é também um grande regenerador de papelão, duas especialidades dos catadores. Tal sucesso deve-se, em parte, ao governo FHC. Fábricas de latinhas e de papel e o ambiente devem agradecimentos ao desemprego de Pedro Malan e cia., que barateia o trabalho do catador.
Mas não menospreze a triste bravura dessa gente. Além de tornar fábricas mais eficientes, o catador poupa dinheiro de prefeituras, que gastam menos com as notórias empreiteiras do lixo; poupa a eletricidade do fabrico de latinhas de alumínio; limpa ruas, ajuda a evitar o entupimento de bueiros e as enchentes.
Catar lixo é o emprego de um terço dos moradores de rua de São Paulo. A maioria não ganha R$ 300 mensais para puxar a carroça de 100 kg (300 kg se cheia), sob chuva e sob sol, sem direitos sociais. Muitos dormem em grupos nas ruas horrivelmente imundas do centro de São Paulo e assustam motoristas quando vão filar um cigarro no sinal de trânsito. Como não roubam, ganham um elogio quase odiento: "Pelo menos trabalha, não é bandido", como se pobreza fosse o vestíbulo inevitável do crime. Na esquina seguinte, o motorista aliviado recomeça o insulto contra o trânsito das carroças.


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