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São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2003

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BORIS FAUSTO

O terrorismo na Turquia

A sequência macabra dos últimos atos terroristas mostra não só a capacidade da Al Qaeda e outros grupos de empreender essas ações, como uma lógica que está longe de ser a do desespero. No caso da Turquia, a lógica faz muito sentido, se tivermos em conta o alvo dos dois atentados -as sinagogas, os interesses britânicos e o próprio país.
Não se pode deixar de recordar, no passado turco, as ditaduras, as violências, o massacre dos curdos. Apesar disso tudo, a Turquia é um país muito diferente de outros países islâmicos da região. Situada na confluência entre o oriente e o ocidente, ela foi sempre um ponto de encontro de etnias e culturas.
Por exemplo, os sultões do Império Otomano acolheram os judeus sefaradis, perseguidos na Espanha da Inquisição, no século 16. E os trataram, ao longo do tempo, pelo menos com maior tolerância do que os monarcas e imperadores dos países cristãos. Algumas das vítimas dos atentados às sinagogas descendem, certamente, dessa antiga emigração forçada. São uns poucos milhares de remanescentes, à margem das levas que, a partir do início do século 20, emigraram para a América Latina, os Estados Unidos e a Palestina.
Outra marca que diferencia a Turquia, com relação a seus vizinhos muçulmanos, talvez à exceção do Egito, é o antecedente de uma revolução nacional que deixou marcas duradouras. Pela via autoritária, Kemal Ataturk, o "pai dos turcos", ocidentalizou o país, ao construir um Estado centralizado e laico, impondo os trajes e a escrita do Ocidente, assim como a emancipação das mulheres. Em grande medida, conseguiu realizar o que Reza Pahlevi não conseguiu fazer no Irã.
Hoje, a Turquia se esforça por se tornar membro da União Européia. A elite política, não sem muitas dificuldades, soube reconhecer a vitória de um partido muçulmano moderado nas últimas eleições gerais, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, do hoje primeiro-ministro Recep Erdogan. Isso significa, entre outras coisas, que o país não seguirá o caminho desastroso da Argélia.
Ainda na linha dos esforços para ingressar na Comunidade Européia, a Turquia vem realizando profundas reformas em sua legislação e há sintomas de que não se oporia à reunificação da ilha de Chipre, cuja parte norte se encontra ocupada por tropas turcas há quase 30 anos, na dependência do resultado de eleições locais.
Nada disso significa que as tensões desapareceram, especialmente entre os setores islâmicos e o Exército, herdeiro do kemalismo e da laicização da sociedade. Mas o quadro, em linhas gerais, é positivo e constitui um exemplo de convivência entre grupos com visões confrontantes.
Explodir essa convivência, semeando incertezas e o pânico, com reflexos em todos os planos, inclusive o econômico, é um objetivo essencial do fanatismo terrorista. Golpear, ao mesmo tempo, a Turquia, os judeus e os britânicos foi assim mais uma ação calculada, de uma fria lógica, cuja escalada é tão imperioso quanto problemático conter.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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