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ESTATUTO NEGATIVO
O Estatuto da Igualdade Racial, que dispõe sobre uma série de medidas supostamente voltadas para combater a discriminação
no Brasil, está por ser votado na Câmara. Se for aprovada, a proposta introduzirá nas políticas públicas critérios rígidos de distinção entre "raças" que são estranhos à cultura do
país e incongruentes com uma sociedade altamente miscigenada.
A título de reparar as violências sofridas pelos negros no período da escravidão, o Estatuto propõe medidas
derivadas da "discriminação positiva", estimulando mais rigor na classificação dos cidadãos brasileiros segundo o critério "raça", rechaçado
pela ciência. Não por acaso, o artigo
12 do referido projeto, que dispõe sobre o acesso ao sistema de saúde, determina que o "quesito raça/cor, de
acordo com a autoclassificação", deverá constar de cartões de identificação do SUS, prontuários médicos ou
formulários de resultado de exames
laboratoriais.
Pela proposta, o ímpeto classificatório atingirá também documentos
de Seguridade Social e certidões de
nascimento. Como os autores do
projeto pretendem adequar essas
normas à prática da autodeclaração é
uma pergunta que permanece no ar.
O artigo mais preocupante é o que
fixa cotas no mercado de trabalho e
na mídia -seguindo o modelo defendido pelo Ministério da Educação
(MEC) para franquear o acesso da
população negra ao ensino superior.
Pelo Estatuto, 20% dos servidores
públicos em cargos de confiança da
União -que não exigem concurso
público- deverão ser compostos exclusivamente por afrobrasileiros.
Com o tempo, esse número teria de
ser ampliado até que se chegasse a
uma composição proporcional à
"estrutura da distribuição racial" do
país. Trata-se de um cabide de emprego com critério racial. É de perguntar porque outras categorias ou
grupos, como judeus, orientais, índios ou bissexuais não deveriam merecer o mesmo tratamento.
Esse critério será imposto também
na contratação de profissionais para
filmes de publicidade, cinema e novelas de televisão.
Não se trata de negar a existência
de um racismo "à brasileira", tampouco de recusar a implementação
de propostas específicas visando a
combatê-lo. Mas forçar uma divisão
da riqueza étnica e cultural do Brasil
entre "brancos" e "afrodescendentes", importando concepções que
prosperaram na sociedade norte-americana, é um caminho errado.
É preciso reconhecer que a formação social brasileira foi marcada pela
miscigenação e por relações entre etnias e culturas mais complexas e menos rígidas do que aquelas que levaram os EUA a institucionalizar o racismo. Sem desconhecer a existência
do preconceito e da discriminação, é
preciso ver nessa particularidade
brasileira um traço positivo.
Não é algo a ser combatido, muito
menos em favor de mecanismos que
os EUA adotaram para criar condições mínimas de convivência civilizada entre brancos e negros, muitos
dos quais viviam ainda há poucos
anos quase que em estado de guerra.
Políticas de demarcação racial como as norte-americanas representariam no Brasil um esforço para reescrever de maneira equivocada a história do país, ignorando realidades
que deveriam ser valorizadas. É a
partir delas que se precisaria avançar,
e não contra elas. Uma legislação
que combina classificação de "raças"
com favores e regras autoritárias tem
tudo para fomentar ressentimentos e
agredir os princípios do mérito e da
universalidade de direitos.
Tal como o texto do Estatuto se
apresenta, a Câmara incorrerá num
grave erro se vier a aprová-lo.
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