São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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GUERRA DAS PATENTES

Um dos ramos de atividade que mais cresceram no mundo nos últimos anos foi o farmacêutico. Só no Brasil, o faturamento do setor é de US$ 12 bilhões. Em escala global, chega aos trilhões. É um segmento que, cada vez mais, investe em novos produtos. Em 1990, a indústria colocou US$ 8,4 bilhões em pesquisa. Em 2000, só nos EUA, esse valor havia saltado para US$ 26 bilhões.
A espinha dorsal da indústria farmacêutica repousa na patente, que dá ao criador da droga os direitos exclusivos de exploração por um período determinado de tempo. Não parece incorreto afirmar que, sem a proteção patentária, o volume de pesquisa seria significativamente menor.
Companhias farmacêuticas declaram que gastam de US$ 300 milhões a US$ 600 milhões para criar e aprovar cada novo medicamento. Sem a garantia da patente, poucos arriscariam investir somas desse quilate em pesquisa e desenvolvimento.
Embora o instrumento seja justo, não existem patentes sem efeitos colaterais. Os mais perversos e evidentes estão hoje na epidemia de Aids no continente africano. Lá já pereceram 17 milhões de pessoas. Há mais de 25 milhões de infectados, ou seja, 8,8% dos habitantes do continente.
Embora a Aids seja uma moléstia incurável, combinações de drogas antivirais, o chamado coquetel, podem estender e dar qualidade à vida dos pacientes. Esses medicamentos não chegam aos africanos porque eles não têm renda para adquiri-los.
Para muitos, países como Brasil e Índia têm a solução: a produção de genéricos contra a Aids. Mesmo pagando os royalties aos detentores da patente, o Brasil reduziu o custo anual do tratamento de US$ 15.000 (ainda o preço da terapia nos países desenvolvidos) para US$ 3.000. Na Índia, esse valor é ainda menor.
A indústria farmacêutica quer enquadrar o Brasil e a Índia. É sob essa luz que se deve analisar a queixa contra a lei de patentes brasileira que os EUA apresentaram à OMC.
As distorções impostas pela lógica das patentes não param por aí. Como o prazo de proteção é contado a partir do depósito da patente, cada dia de atraso na introdução de uma nova droga líder no mercado representa, segundo os próprios laboratórios, prejuízos de US$ 1,3 milhão. Criou-se, assim, toda uma indústria de testes clínicos, as chamadas CROs, que obtém a aprovação de uma nova droga no menor tempo possível. Essa indústria não hesita em utilizar cidadãos do Terceiro Mundo como cobaias humanas.
Duvidar dos estudos realizados pelas CROs relativos às novas drogas não é exatamente paranóia. No caso de fármacos contra o câncer, há um trabalho que mostra que apenas 5% dos estudos patrocinados por fabricantes apresentaram resultados desfavoráveis ao medicamento. Quando a pesquisa é feita por universidades, o índice de desaprovação chega a 38%. Sem pretender acabar com o instituto da patente, parece claro que é hora de rever o sistema. É preciso, pelo menos, criar regras que não coloquem a busca pelo lucro em choque direto com os mais elementares princípios humanitários universalmente aceitos.


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