|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GUERRA DAS PATENTES
Um dos ramos de atividade que
mais cresceram no mundo nos
últimos anos foi o farmacêutico. Só
no Brasil, o faturamento do setor é
de US$ 12 bilhões. Em escala global,
chega aos trilhões. É um segmento
que, cada vez mais, investe em novos
produtos. Em 1990, a indústria colocou US$ 8,4 bilhões em pesquisa.
Em 2000, só nos EUA, esse valor havia saltado para US$ 26 bilhões.
A espinha dorsal da indústria farmacêutica repousa na patente, que
dá ao criador da droga os direitos exclusivos de exploração por um período determinado de tempo. Não parece incorreto afirmar que, sem a proteção patentária, o volume de pesquisa seria significativamente menor.
Companhias farmacêuticas declaram que gastam de US$ 300 milhões
a US$ 600 milhões para criar e aprovar cada novo medicamento. Sem a
garantia da patente, poucos arriscariam investir somas desse quilate em
pesquisa e desenvolvimento.
Embora o instrumento seja justo,
não existem patentes sem efeitos colaterais. Os mais perversos e evidentes estão hoje na epidemia de Aids no
continente africano. Lá já pereceram
17 milhões de pessoas. Há mais de 25
milhões de infectados, ou seja, 8,8%
dos habitantes do continente.
Embora a Aids seja uma moléstia
incurável, combinações de drogas
antivirais, o chamado coquetel, podem estender e dar qualidade à vida
dos pacientes. Esses medicamentos
não chegam aos africanos porque
eles não têm renda para adquiri-los.
Para muitos, países como Brasil e
Índia têm a solução: a produção de
genéricos contra a Aids. Mesmo pagando os royalties aos detentores da
patente, o Brasil reduziu o custo
anual do tratamento de US$ 15.000
(ainda o preço da terapia nos países
desenvolvidos) para US$ 3.000. Na
Índia, esse valor é ainda menor.
A indústria farmacêutica quer enquadrar o Brasil e a Índia. É sob essa
luz que se deve analisar a queixa contra a lei de patentes brasileira que os
EUA apresentaram à OMC.
As distorções impostas pela lógica
das patentes não param por aí. Como o prazo de proteção é contado a
partir do depósito da patente, cada
dia de atraso na introdução de uma
nova droga líder no mercado representa, segundo os próprios laboratórios, prejuízos de US$ 1,3 milhão.
Criou-se, assim, toda uma indústria
de testes clínicos, as chamadas
CROs, que obtém a aprovação de
uma nova droga no menor tempo
possível. Essa indústria não hesita
em utilizar cidadãos do Terceiro
Mundo como cobaias humanas.
Duvidar dos estudos realizados pelas CROs relativos às novas drogas
não é exatamente paranóia. No caso
de fármacos contra o câncer, há um
trabalho que mostra que apenas 5%
dos estudos patrocinados por fabricantes apresentaram resultados desfavoráveis ao medicamento. Quando
a pesquisa é feita por universidades,
o índice de desaprovação chega a
38%. Sem pretender acabar com o
instituto da patente, parece claro que
é hora de rever o sistema. É preciso,
pelo menos, criar regras que não coloquem a busca pelo lucro em choque direto com os mais elementares
princípios humanitários universalmente aceitos.
Texto Anterior: Editorial: MEDO DE CRESCER Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Os coitadinhos Índice
|