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CLÓVIS ROSSI
Os coitadinhos
SÃO PAULO - Anestesiada e derrotada, a sociedade nem está percebendo
a enorme inversão de valores em curso. Parece aceitar como normal que
um grupo de criminosos estenda faixas pela cidade e nelas fale de paz.
Que paz? Não foram esses mesmos
adoráveis senhores que decapitaram
ou mandaram decapitar seus próprios companheiros de comunidade
durante as recentes rebeliões?
A sociedade ouve em silêncio o juiz
titular da Vara de Execuções Penais,
Otávio Augusto Barros Filho, dizer
que não vai resolver nada a transferência e isolamento dos líderes do
PCC (Primeiro Comando da Capital
ou Partido do Crime).
Digamos que não resolva. Qual é a
alternativa oferecida pelo juiz? Libertá-los todos? Devolvê-los aos presídios dos quais gerenciam livremente
seus negócios e determinam quem
deve viver e quem deve morrer?
Vamos, por um momento que seja,
cair na real: os presos, por mais hediondos que tenham sido seus crimes,
merecem, sim, tratamento digno e
humano. Mas não merecem um micrograma que seja de privilégios, entre eles o de determinar onde cada
um deles fica preso.
Há um coro, embora surdo, que
tenta retratar criminosos como coitadinhos, vítimas do sistema. Calma lá.
Coitadinhos e vítimas do sistema,
aqui, são os milhões de brasileiros
que sobrevivem com salários obscenamente baixos (ou sem salário algum) e, não obstante, mantêm-se teimosamente honestos.
Coitadinhos e vítimas de um sistema ineficiente, aqui, são os parentes
dos abatidos pela violência, condenados à prisão perpétua que é a dor pela
perda de alguém querido, ao passo
que o criminoso não fica mais que 30
anos na cadeia.
Parafraseando Millôr Fernandes:
ou restaure-se a dignidade para todos, principalmente para os coitadinhos de verdade ou nos rendamos de
uma vez à Crime Incorporation.
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