São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Mais serenidade, menos oportunismo

Para quem está de fora, é sempre fácil criticar. Para quem usa a infelicidade alheia para se projetar pessoalmente, as tragédias são os pratos favoritos.
É isso que vem sendo feito com a exploração da estrondosa rebelião de presos do domingo passado. Evidentemente, o ocorrido foi abominável. Não há como aceitar a monumental afronta à segurança e dignidade humanas praticada pelos presidiários e a pavorosa agressão intramuros, que pôs em risco mulheres e crianças inocentes.
Em vista do gigantismo da operação montada pelos rebeldes e do perigo da ação irresponsável e inconsequente de quem decide enfrentar a polícia no meio de tanta gente inocente, a conduta das autoridades foi serena e competente.
Ninguém pode apoiar, é claro, as mortes ocorridas, assim como os ferimentos e o desespero de quem continua sofrendo. Todavia há que se reconhecer que a polícia enfrentou um inusitado rosário de guerrilhas sincronizadas -de administração dificílima. O governo não cedeu às chantagens dos presidiários -nenhum deles fugiu- e conseguiu retirar dos presídios uma frágil massa humana sem desastres.
É evidente que, além da precariedade da situação prisional que se estende por todo o país, estiveram presentes as falhas dos serviços de controle e das regras de visitação e, ainda, a persistência de condutas de corrupção.
O problema é difícil. O governador em exercício, Geraldo Alckmin, deixou claro que o Estado demite de cinco a seis profissionais por dia por motivo (apurado) de corrupção. Indicou ainda que a polícia de São Paulo prende mais do que a maioria das polícias do Brasil, o que, indiretamente, contribuiu para a superpopulação carcerária. Esclareceu que as regras de visitação acumuladas ao longo do tempo -e garantidas por atos do Poder Judiciário- são frouxas e estimulam a introdução de armas, drogas e celulares nos presídios, tudo o que os detentos precisam para montar operações sofisticadas.
A problemática assume uma complexidade alarmante quando somada à erosão dos valores morais, à falta de emprego e, sobretudo, à precariedade da educação neste país. Esta é a dimensão mais crucial.
O rigor da polícia em Nova York é geralmente citado como exemplo para justificar a queda do crime e da violência. Mas poucos se lembram de que aquela cidade está incrustada em um país onde há sobra de emprego e de boa educação. Por isso, com os oportunistas, todo cuidado é pouco.
No meio de tanta rebeldia, a melhor notícia da semana foi a substancial ampliação do Bolsa-Escola para amparar todas as crianças que precisam estudar. Esse programa dá à família os recursos de que precisa para manter seus filhos na escola -com bom aproveitamento. Oxalá seja essa a trajetória dos próximos anos. Como se dizia no meu tempo, para cada criança na escola, um delinquente a menos nas ruas e nas cadeias.

Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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