São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

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MÁRIO MAGALHÃES

Sobre céticos e crédulos

UM DOS DESVIOS de personalidade distintivos de nós jornalistas, em companhia da aversão atávica a reconhecer os nossos tropeços, é a vocação para desgraçadamente reeditarmos os erros mesmo quando anunciamos ter aprendido com o vexame mais recente. As lições apregoadas por vezes parecem manifestações protocolares insinceras ou aparentam vigor de faquir.
Nos escândalos jornalísticos -de ruína do jornalismo- da Escola Base e do Bar Bodega, evidenciaram-se o excesso de credulidade, expresso na fé em versões unilaterais sobre fatos controversos, e a ausência de ceticismo, em particular sobre apontamentos da autoridade policial.
O ceticismo deve estar para o jornalismo como a prancha para o surfista -é a base a partir da qual se desenvolve todo o resto. Foi o que faltou na cobertura do episódio em que a brasileira Paula Oliveira deu parte de agressões de militantes nazistóides na Suíça que teriam provocado o aborto das gêmeas que ela dizia esperar.
O jornalismo brasileiro subscreveu a queixa e estimulou a onda, confundindo o dever de confrontar as alegações com os fatos, para elaborar o noticiário mais escrupulosamente próximo à verdade possível, com a compaixão despertada pelo infortúnio da compatriota.
No instante em que as provas fragilizaram a história de Paula e sugeriram encenação, o jornalismo voltou a se constranger -e a incorrer em enganos assemelhados, ao assinalar como definitivos indícios que careciam de confirmação. Se é legítimo o sofrimento com os dias trágicos de Paula, ao jornalismo cabe identificar qual foi propriamente a tragédia.
Ingenuidade não faz de ninguém necessariamente um ser pior. Mas o jornalismo ingênuo e crédulo informa mal, portanto é mau jornalismo. O amigo cético costuma enfastiar os companheiros. O jornalismo cético semeia confiança.
O Caso Paula não está só. O jornalismo alardeia fatos ditos incontestáveis: o grampo de arapongas da Abin contra o presidente da Corte Suprema (a gravação não apareceu); uma única testemunha alvejaria o italiano Cesare Battisti (são muitas); cai a desigualdade (subtraem-se da conta os ganhos de capital).
O jornalismo é uma disciplina de verificação, já se anotou. Essa característica o distingue de narrativas descompromissadas dos fatos e da checagem de informações. Nos diários impressos -embora se recomende vitaminar o resumo da véspera com mais densidade, contexto, análise, opinião e estilo-, a notícia segue a ser o principal ativo.
Quanto mais o ceticismo temperar o método de produção da notícia, mais confiável ela será. E mais indispensável aos cidadãos e aos consumidores será o jornalismo que a veicula.


MÁRIO MAGALHÃES é repórter especial da Folha.


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