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Luta retórica
Argentina tem motivos para reivindicar Malvinas, mas ganharia se deixasse intransigência de lado e agisse com pragmatismo
O ALTO grau de intransigência que tem marcado o pleito argentino
pela soberania sobre as
ilhas Malvinas é contraproducente. Por mais que o país vizinho tenha motivos respeitáveis
para reivindicar a posse do arquipélago, os ingleses controlam
as ilhas há 177 anos -uma situação que parece difícil reverter.
Melindrado pela possibilidade
iminente de exploração de petróleo no arquipélago, o governo
de Cristina Kirchner acusa o Reino Unido de agir como metrópole colonial ao rechaçar acertos
diplomáticos sobre o território e
o usufruto de suas riquezas. Mas
a própria inflexibilidade argentina não ajuda a encontrar saídas
negociadas para o embate.
É digno de nota um acordo de
1995, que abria a possibilidade de
exploração econômica conjunta
de uma faixa do Atlântico entre a
costa argentina e as Malvinas.
Embora seus termos pudessem
ser considerados favoráveis aos
britânicos, tratava-se do primeiro passo para uma etapa de cooperação que, se bem negociada,
resultaria em ganhos para o país
vizinho -inclusive na exploração de petróleo.
Inconformada, porém, com
iniciativas econômicas do Reino
Unido no arquipélago, que compreendeu como um desrespeito
ao documento, a Argentina
abandonou o acordo unilateralmente, em 2007. Ao comentar
recentemente o episódio, o ex-vice-chanceler argentino Andrés
Cisneros constatou, com razão,
que a "filosofia do tudo ou nada
sempre termina em nada para o
lado mais frágil".
A menos que se contente com
estocadas retóricas, algum senso
de pragmatismo conviria ao governo do país vizinho, já que as
outras alternativas se mostraram inviáveis. Uma nova aventura militar, como a de 1982, seria
impensável. Tampouco parece
crível que sanções ou moções de
censura possam mudar a situação desfavorável dos argentinos
-para a qual também contribuem alguns aspectos históricos.
Já no século 18 espanhóis e britânicos se confrontavam pelo
controle daquele ponto estratégico para a navegação no Atlântico Sul e sua ligação com o Oceano Pacífico. O arquipélago, herdado da Espanha pela nação recém independente, foi tomado
pelo Reino Unido em 1833.
Nas décadas seguintes, o território passou a ser habitado por
colonos de origem britânica -os
kelpers. Atualmente, são cerca
de 2.700 deles ao lado de 300 habitantes de outras nacionalidades. Os kelpers falam inglês e detêm a mais alta renda per capita
do continente. Não surpreende
que se oponham à reanexação.
Resta à Argentina, do ponto de
vista prático, o caminho da negociação. O fim do clima de confronto na região certamente facilitaria investimentos, tanto nas
proximidades do arquipélago
quanto na costa do país. É razoável que o Reino Unido venha a fazer concessões em troca da disposição para o diálogo.
A diplomacia das demais nações latino-americanas poderia
contribuir para a distensão, mas
preferiu, em reunião no México,
fazer eco aos exageros da presidente Cristina Kirchner. Talvez
não houvesse outra saída, dado o
caráter da reunião. Mas nos termos da metáfora literária do sociólogo Vicente Palermo, as nações vizinhas prestam desserviço ao "incentivar um louco a investir contra moinhos de vento".
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