São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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Luta retórica

Argentina tem motivos para reivindicar Malvinas, mas ganharia se deixasse intransigência de lado e agisse com pragmatismo

O ALTO grau de intransigência que tem marcado o pleito argentino pela soberania sobre as ilhas Malvinas é contraproducente. Por mais que o país vizinho tenha motivos respeitáveis para reivindicar a posse do arquipélago, os ingleses controlam as ilhas há 177 anos -uma situação que parece difícil reverter.
Melindrado pela possibilidade iminente de exploração de petróleo no arquipélago, o governo de Cristina Kirchner acusa o Reino Unido de agir como metrópole colonial ao rechaçar acertos diplomáticos sobre o território e o usufruto de suas riquezas. Mas a própria inflexibilidade argentina não ajuda a encontrar saídas negociadas para o embate.
É digno de nota um acordo de 1995, que abria a possibilidade de exploração econômica conjunta de uma faixa do Atlântico entre a costa argentina e as Malvinas. Embora seus termos pudessem ser considerados favoráveis aos britânicos, tratava-se do primeiro passo para uma etapa de cooperação que, se bem negociada, resultaria em ganhos para o país vizinho -inclusive na exploração de petróleo.
Inconformada, porém, com iniciativas econômicas do Reino Unido no arquipélago, que compreendeu como um desrespeito ao documento, a Argentina abandonou o acordo unilateralmente, em 2007. Ao comentar recentemente o episódio, o ex-vice-chanceler argentino Andrés Cisneros constatou, com razão, que a "filosofia do tudo ou nada sempre termina em nada para o lado mais frágil".
A menos que se contente com estocadas retóricas, algum senso de pragmatismo conviria ao governo do país vizinho, já que as outras alternativas se mostraram inviáveis. Uma nova aventura militar, como a de 1982, seria impensável. Tampouco parece crível que sanções ou moções de censura possam mudar a situação desfavorável dos argentinos -para a qual também contribuem alguns aspectos históricos.
Já no século 18 espanhóis e britânicos se confrontavam pelo controle daquele ponto estratégico para a navegação no Atlântico Sul e sua ligação com o Oceano Pacífico. O arquipélago, herdado da Espanha pela nação recém independente, foi tomado pelo Reino Unido em 1833.
Nas décadas seguintes, o território passou a ser habitado por colonos de origem britânica -os kelpers. Atualmente, são cerca de 2.700 deles ao lado de 300 habitantes de outras nacionalidades. Os kelpers falam inglês e detêm a mais alta renda per capita do continente. Não surpreende que se oponham à reanexação.
Resta à Argentina, do ponto de vista prático, o caminho da negociação. O fim do clima de confronto na região certamente facilitaria investimentos, tanto nas proximidades do arquipélago quanto na costa do país. É razoável que o Reino Unido venha a fazer concessões em troca da disposição para o diálogo.
A diplomacia das demais nações latino-americanas poderia contribuir para a distensão, mas preferiu, em reunião no México, fazer eco aos exageros da presidente Cristina Kirchner. Talvez não houvesse outra saída, dado o caráter da reunião. Mas nos termos da metáfora literária do sociólogo Vicente Palermo, as nações vizinhas prestam desserviço ao "incentivar um louco a investir contra moinhos de vento".


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