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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nosso luto e nossa luta

ANTONIO RODRIGUES DE FREITAS JR.

Numerosas vezes, Alexandre Martins de Castro Filho e eu nos falamos sobre a agenda delicada de seu Estado. Recordo-me de o ter conhecido quando, a meu convite como então secretário Nacional de Justiça, veio a São Paulo. Reunidos na sede da Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, registrei meu compromisso de apurar sua denúncia de que, em estabelecimentos prisionais de seu Estado, detentos em regime fechado tinham acesso não a celulares, mas a aparelhos convencionais.
De seu celular ao meu vieram tristes e reconfortantes notícias. O covarde assassinato de uma testemunha removida, sem sua autorização, da custódia federal para a custódia do Estado. A captura de um dos chefes da pistolagem a serviço do crime organizado - em cujo combate se empenhou com coragem e incomparável senso de responsabilidade. Ao lado do nosso companheiro Carlos Eduardo Ribeiro Lemos e de outros tantos, cujos nomes não haveria aqui espaço para registrar, fechou-se o cerco da impunidade contra então elevadas autoridades constituídas do Espírito Santo, hoje por fortuna sob comando do governador Hartung.
Apesar da firmeza de seu combate à elite pérfida do crime organizado, Alexandre notabilizou-se por estar à frente da luta pela aplicação eficaz das assim chamadas penas e medidas alternativas, em absoluta sintonia com os princípios e objetivos das regras de Tóquio. Uma das diversas vezes em que nos encontramos foi quando, a seu convite, conduzimos o Seminário sobre Penas Alternativas, em que foi lançada a cartilha elaborada por ele e pelos demais juízes e técnicos da Central de Penas e Medidas Alternativas do Espírito Santo.


Alexandre notabilizou-se por estar à frente da luta pela aplicação eficaz das assim chamadas penas e medidas alternativas


A biografia de Alexandre enaltece a importância e a possibilidade concreta de combinar a preservação do garantismo jurídico à imensa maioria da população carcerária com o necessário e urgente endurecimento no regime de custódia de alguns delinquentes, que, para além de não precisarem da proteção do Estado, não raro fazem com que autoridades públicas, como o próprio Alexandre, essas sim, venham a necessitar da proteção pública. Nesses casos, a função protetora do Estado deve necessariamente inverter-se na direção da garantia da autoridade, como veículo de promoção da tranquilidade pública e das instituições democráticas.
A última vez em que nos vimos foi quando, em São Paulo, a meu convite, Alexandre e Carlos Eduardo apresentaram, por solicitação da Secretaria Nacional de Justiça, minuta de proposta ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em sua última convocação de 2002, tendo por anfitrião o dr. Elival Ramos, o CNPCP recebeu, assinada por Alexandre e Carlos Eduardo, sugestão de texto inicial para uma agenda de mudança legislativa e refinamento de política pública criminal e penitenciária, voltada a dispor sobre regimes de execução adequados ao perfil e ao potencial desagregador do custodiado.
Desejo e espero intensamente, em homenagem à memória de Alexandre e de todos os outros que tombaram na luta contra o crime organizado, bem como em defesa dos que ainda restam vivos para prosseguir combate, que sua proposta ao CNPCP seja objeto de apreciação qualificada e urgente, bem como que a ela se agreguem as contribuições inestimáveis que brevemente virão do secretário Nagashi Furukawa, dos companheiros da equipe da Candido Mendes (Julita, Jaqueline e outros), de Túlio Kahn, de José Vicente da Silva, de Luiz Antonio Marrey, de Luiz Eduardo Soares e todos os que nos irmanamos nesta dor e nesta luta.

Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, 43, é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP e professor associado de direito do Instituto de Economia da Unicamp. Foi secretário Nacional de Justiça (governo Fernando Henrique).


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