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TENDÊNCIAS/DEBATES
A atuação do Conselho Nacional de Justiça tem sido benéfica para o Poder Judiciário?
NÃO
Sobre inverdades e intromissões
HUGO BENGTSSON JUNIOR
O CNJ e a chamada "reforma do Judiciário" estão, na verdade, trazendo muitos transtornos para o Judiciário,
não somente para o seu funcionamento
mas também para a sua imagem.
Primeiro, é preciso que a sociedade
saiba que o teto e os respectivos subtetos não representarão economia para os
cofres públicos. Na verdade, irão destruir a carreira da magistratura, já que o
juiz, ao ingressar no Judiciário, passará
a receber a mesma remuneração de um
desembargador depois de 50 anos de
exercício. O que isso irá representar para o orçamento dos Estados?
Por falar em Estados, lembramos,
mais uma vez, que o Brasil é uma Federação. Constitucionalmente, está assegurada aos Estados a autonomia para
organizar sua Justiça. No entanto, o CNJ
vem, com mão-de-ferro, estabelecendo
uma realidade única para o país. O conselho está indo além de sua função de
fiscalização administrativa para a qual
foi criado. Está a legislar, em desrespeito
às Constituições e legislações vigentes,
além de quebrar o pacto federativo.
Irredutibilidade dos vencimentos, direito adquirido e coisa julgada são preceitos constitucionais ignorados pelo
CNJ. Cada cidadão deve analisar, friamente, o que pode vir a significar a quebra de cláusulas pétreas da Constituição, a insegurança jurídica que será
criada. O teto já estava previsto na CF e
tem de ser implantado. Mas a sua regulamentação está sendo feita pelo CNJ
sem obediência aos princípios legais já
citados -quando quem deveria fazê-la
é o Congresso Nacional.
Outro item da "reforma do Judiciário" imposto severamente pelo CNJ em
nome do aperfeiçoamento da Justiça foi
o fim das férias coletivas. É um equívoco
pensar que os tribunais funcionam melhor com férias individuais. Pelo contrário, elas travaram seu funcionamento:
as decisões são colegiadas, e, todo mês,
há desembargadores de férias.
Muitos jornais têm anunciado que a
insatisfação do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais existe porque os desembargadores ganham remunerações acima de R$ 50 mil. Chegaram ao absurdo
de dizer que aqui, em Minas, existem 40
tipos de gratificações. É uma inverdade.
Há, realmente, desembargadores que
ganham acima do teto de R$ 22,1 mil,
com algumas remunerações em torno
de R$ 30 mil. Possuímos qüinqüênios e
equiparação salarial com os deputados
mineiros, tudo garantido pela Constituição do Estado. O que estão a dizer sobre os vencimentos são tentativas de
desmoralizar o Judiciário mineiro.
Há também aqueles que dizem que a
resistência mineira decorre do fim do
"nepotismo". Que fique bem claro: antes mesmo que a resolução nº 7 do CNJ
fosse declarada constitucional pelo STF,
já havíamos publicado normas para que
as pessoas enquadradas nas proibições
se identificassem. Aprovada a resolução, todos os parentes foram demitidos
-vários deles, a pedido, e os outros,
por determinação da presidência do TJ-MG. Isso já é passado. E é questão resolvida. É necessário, agora, que os outros
Poderes façam o mesmo. Aliás, o correto seria que o Congresso legislasse sobre
essa matéria, criando normas para o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.
Queremos deixar claro: nós, desembargadores mineiros, somos contrários
à forma de atuação do CNJ, legislando,
violando as normas legais e o pacto federativo, numa posição autoritária.
Ao tomar posse como presidente do
TJ-MG, citei palavras do papa João Paulo 2º: "Os tempos em que vivemos são
indescritivelmente difíceis e turbulentos". À época, eu dizia temer a instalação do CNJ. Hoje, tenho certeza. Vê-se
uma intromissão no Judiciário sem o
retorno que a sociedade almeja: a melhoria da prestação jurisdicional, o que
exige o aperfeiçoamento das leis processuais e da estrutura da instituição.
Diante de tudo isso, o que temos a dizer é que os processos são distribuídos
24 horas após a entrada no TJ-MG. Que
temos trabalhado incansavelmente,
com prejuízo de finais de semana, feriados e férias, em benefício dos jurisdicionados. O TJ-MG estruturou os Juizados
Especiais, modelo para o país. Temos
estimulado a disseminação de Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs). Há ainda as Centrais
de Conciliação, que buscam o acordo
entre as partes de um processo, os Juizados de Conciliação, a Escola Judicial e o
Programa de Atenção Integral ao Portador de Sofrimento Mental Infrator (Pai-PJ), já reconhecidos.
Por tudo isso, temos orgulho do nosso
trabalho. Somos uma instituição séria.
Exigimos respeito e o direito de não nos
calarmos quando o CNJ vai além das
suas atribuições, entrando na seara do
Legislativo em nome de "melhorias"
para o Judiciário. Lembramos, finalmente, que democracia se faz com um
Judiciário forte -e que a sociedade esteja sempre atenta a isso.
Hugo Bengtsson Júnior, 69, desembargador, é
presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas, juiz do Tribunal de Alçada, promotor de Justiça e advogado.
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