São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

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Parcimônia, prudência

Antes de recorrer a ações de desespero, governo deveria valer-se de meios convencionais para evitar explosão de consumo

O MINISTÉRIO da Fazenda cogita antecipar-se à possível alta da taxa básica de juros. O objetivo seria evitar a interrupção do ciclo de investimento das empresas e poupar o recurso a uma medida -a elevação da Selic- que tornaria o Brasil mais atrativo para a especulação global.
A divulgação, ontem, das contas externas de fevereiro reforça a impressão de que está em curso uma rápida corrosão de superávits. O real valorizado favorece importações, remessas de lucros e dividendos por estrangeiros e viagens ao exterior.
No trimestre que terminou em fevereiro de 2008, as importações crescerem 52% na comparação com o período de três meses encerrado um ano antes. Se o câmbio barateia as importações, o principal fator a impulsioná-las é a expansão do consumo doméstico. No último trimestre de 2007, as famílias brasileiras absorveram volume de bens e serviços 8,6% superior ao último quarto de 2006 -o PIB, na mesma comparação, cresceu 6,2%.
A série preliminar de dados sobre janeiro e fevereiro de 2008 indica que o consumo continuou a acelerar-se no início do ano. Não há descontrole inflacionário detectável, mas, se perdurarem, as atuais taxas de expansão do consumo e do crédito podem alimentar uma "bolha" por aqui: um surto insustentável de consumo, que sempre acaba em brusca desaceleração.
O diagnóstico é conhecido, mas a terapêutica, complicada por definição, pode levar o paciente à piora quando são sacados da algibeira elixires do arco da velha, como a idéia de limitar os prazos para a tomada de empréstimos no varejo -que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, agora diz ser apenas uma preocupação pessoal sua, e não uma hipótese de intervenção. Antes de recorrer a medidas que se parecem com as de um governo desesperado, há uma série de atitudes convencionais de prudência à mão das autoridades.
Um governo preocupado com a expansão do consumo não deveria conceder aumento a servidores nem pisar no acelerador dos demais gastos públicos. Deveria, pelo contrário, aumentar a poupança fiscal. Para proteger os aposentados do INSS num momento de incerteza, o Planalto pode restringir o crédito consignado dessa fatia relevante e vulnerável dos tomadores de empréstimo. O Executivo ainda tem condições de, num quadro mais grave, elevar alíquotas do IOF, um imposto regulatório concebido para situações desse tipo.
Na esfera do Banco Central, as margens de segurança para os empréstimos podem ser apertadas, e a parcela dos depósitos que os bancos são obrigados a manter no BC (chamada de compulsório), ampliada. Nem um eventual aumento da Selic seria necessariamente catastrófico, desde que justificado por uma deterioração inquestionável das expectativas inflacionárias e ministrado com parcimônia.
Parcimônia e prudência, aliás, deveriam compor o binômio a guiar as autoridades neste momento de elevada incerteza. É preciso evitar atos que ameacem interromper este raro ciclo de crescimento forte do PIB.


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