São Paulo, quarta-feira, 25 de março de 2009

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Traças e cupins

Democracia aumentou capacidade de apurar e inibir falcatruas, mas avanço esbarra na forma dos pactos de governo

VOCÁBULOS da zoologia infestam a política nacional. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apelidou de "cupinização" o aparelhamento do Estado promovido pela gestão petista.
A reação do líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), também recorreu aos invertebrados. A administração inseticida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria, na verdade, "afastando as traças", herdadas dos tempos de domínio tucano.
Traças, cupins e ratazanas, carcarás e urubus, lobos e raposas. Não é de hoje que animais de hábitos sinistros povoam o imaginário da disputa pelo poder. A aplicação de uma camada generosa de repelente, contudo, é recomendável antes de enveredar por essa picada.
A cautela se justifica, em primeiro lugar, porque há sempre uma dose ponderável de hipocrisia nesse tipo de altercação zoológica. Numa propaganda célebre veiculada no início desta década, o PT colocou roedores a esmigalhar a bandeira nacional. Tempos depois, no poder, patrocinou o mensalão.
FHC, por seu turno, afirma que a indulgência de Lula com os desmandos na política contribuiu para minar a confiança da sociedade no Congresso. No Planalto, entretanto, o tucano não poupou esforços para evitar CPIs que lhe pudessem causar desgaste -como a que se propunha a investigar a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição.
Contrariando as alegorias lúgubres, a democracia brasileira avançou, e continua a avançar, na sua capacidade de investigar e inibir falcatruas e de cobrar compostura das autoridades. A despeito da vontade do ocupante do Planalto, que sempre será de barrar apurações em casos sensíveis, às minorias legislativas foi assegurado o direito de implantar CPIs, e o mensalão é objeto de um juízo penal histórico no Supremo Tribunal Federal.
Deplora-se, evidentemente, o ritmo dessa melhoria, que esbarra no formato das alianças e das concessões que tanto FHC como Lula fizeram para governar. É curioso, a propósito, como os escândalos no Congresso obedecem a um padrão que atravessa as duas gestões. Uma fenda temporária no consórcio de poder libera energias e conflitos das profundezas do "pacto político", e os esqueletos vêm à tona.
Reformas nas regras de representação, como a implantação do voto distrital misto, fortaleceriam o vínculo entre eleitor e autoridade. Apenas em longo prazo, contudo, ajudariam a aumentar a qualidade média dos eleitos. Não há reforma capaz de pulverizar de chofre o fator PMDB -essa massa amorfa de políticos em busca de poder a qualquer preço e a qualquer título.
O enxame de peemedebistas e assemelhados é a representação possível de vastas parcelas da sociedade brasileira que ainda não se modernizaram o suficiente; que, apesar dos avanços recentes, não foram atendidas em necessidades básicas, a ponto de emanciparem-se da tutela de demagogos, regionais e nacionais.


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