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Traças e cupins
Democracia aumentou capacidade de apurar e inibir falcatruas, mas avanço esbarra na forma dos pactos de governo
VOCÁBULOS da zoologia
infestam a política nacional. O ex-presidente
Fernando Henrique
Cardoso apelidou de "cupinização" o aparelhamento do Estado
promovido pela gestão petista.
A reação do líder do governo na
Câmara, deputado Henrique
Fontana (PT-RS), também recorreu aos invertebrados. A administração inseticida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
estaria, na verdade, "afastando
as traças", herdadas dos tempos
de domínio tucano.
Traças, cupins e ratazanas, carcarás e urubus, lobos e raposas.
Não é de hoje que animais de hábitos sinistros povoam o imaginário da disputa pelo poder. A
aplicação de uma camada generosa de repelente, contudo, é recomendável antes de enveredar
por essa picada.
A cautela se justifica, em primeiro lugar, porque há sempre
uma dose ponderável de hipocrisia nesse tipo de altercação zoológica. Numa propaganda célebre veiculada no início desta década, o PT colocou roedores a esmigalhar a bandeira nacional.
Tempos depois, no poder, patrocinou o mensalão.
FHC, por seu turno, afirma que
a indulgência de Lula com os
desmandos na política contribuiu para minar a confiança da
sociedade no Congresso. No Planalto, entretanto, o tucano não
poupou esforços para evitar
CPIs que lhe pudessem causar
desgaste -como a que se propunha a investigar a compra de votos para aprovar a emenda da
reeleição.
Contrariando as alegorias lúgubres, a democracia brasileira
avançou, e continua a avançar,
na sua capacidade de investigar e
inibir falcatruas e de cobrar compostura das autoridades. A despeito da vontade do ocupante do
Planalto, que sempre será de
barrar apurações em casos sensíveis, às minorias legislativas foi
assegurado o direito de implantar CPIs, e o mensalão é objeto
de um juízo penal histórico no
Supremo Tribunal Federal.
Deplora-se, evidentemente, o
ritmo dessa melhoria, que esbarra no formato das alianças e das
concessões que tanto FHC como
Lula fizeram para governar. É
curioso, a propósito, como os escândalos no Congresso obedecem a um padrão que atravessa
as duas gestões. Uma fenda temporária no consórcio de poder libera energias e conflitos das profundezas do "pacto político", e os
esqueletos vêm à tona.
Reformas nas regras de representação, como a implantação do
voto distrital misto, fortaleceriam o vínculo entre eleitor e autoridade. Apenas em longo prazo, contudo, ajudariam a aumentar a qualidade média dos eleitos.
Não há reforma capaz de pulverizar de chofre o fator PMDB -essa massa amorfa de políticos em
busca de poder a qualquer preço
e a qualquer título.
O enxame de peemedebistas e
assemelhados é a representação
possível de vastas parcelas da sociedade brasileira que ainda não
se modernizaram o suficiente;
que, apesar dos avanços recentes, não foram atendidas em necessidades básicas, a ponto de
emanciparem-se da tutela de demagogos, regionais e nacionais.
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