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Editoriais
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Devaneio autocrático
O vezo antidemocrático de Lula se expõe quando o que está em pauta é a divergência de opinião e a liberdade de imprensa
A DEMOCRACIA , numa definição de manual, é
um sistema de governo
no qual o povo exerce a
soberania e elege seus dirigentes
por meio de eleições periódicas;
é um regime em que estão asseguradas as liberdades de associação e de expressão. Todos esses
princípios estão plasmados na
Constituição de 1988 -ela própria uma conquista democrática.
Isso tudo é óbvio. Mas quem
impele a repisá-lo é o presidente
da República. Na versão de Luiz
Inácio Lula da Silva, a democracia muito frequentemente -e
cada vez mais- surge como se
fosse uma concessão da sua vontade. Ele não parece tratá-la como valor, mas como capricho.
O vezo autoritário do mandatário se torna flagrante quando o
que está em questão é a divergência de opinião ou o compromisso com a liberdade de imprensa. Lula não tolera ser criticado e convive mal com esforços
de fiscalização de seu governo.
Ontem, numa cerimônia, ele
disse: "Acabei de inaugurar
2.000 casas, não sai uma nota.
Caiu um barraco, tem manchete.
É uma predileção pela desgraça.
É triste quando a pessoa tem
dois olhos bons e não quer enxergar. Quando a pessoa tem direito de escrever a coisa certa e
escreve a coisa errada. É triste,
melancólico, para um governo
republicano como o nosso".
Talvez seja o caso de mencionar os mensaleiros, os aloprados,
o "roçado de escândalos" da
aliança com o PMDB. Ou, ainda,
os benefícios pouco ortodoxos
concedidos com dinheiro público a algumas empresas que este
governo elegeu para implementar sua versão de "capitalismo de
Estado". Nada disso compõe um
figurino "republicano".
O que mais impressiona, porém, é o raciocínio embutido na
seguinte frase de Lula: "É triste
quando a pessoa tem o direito de
escrever a coisa certa e escreve a
coisa errada". É uma afirmação
tosca, sem dúvida, mas antes disso autocrática. Não faz sentido
no contexto da democracia.
A imprensa tem de ser livre, inclusive para errar -e responder
por isso perante seu público ou à
Justiça, sempre que for o caso.
Essa liberdade atende sobretudo
ao direito do cidadão de ter acesso a informações.
Lula disse ainda que "setores
da imprensa" deveriam olhar para pesquisas de opinião antes de
tirar conclusões sobre ações públicas de seu governo. Em alguns
casos, como o desta Folha, as
pesquisas são realizadas pelas
mesmas empresas cujo trabalho
Lula busca desqualificar.
Tampouco é verdadeira sua
afirmação de que avanços sociais
ou do país obtidos neste governo
não tenham sido noticiados. Foram -e de maneira exaustiva.
O problema é outro. Recentemente, o presidente da República agrediu os valores democráticos ao equiparar os presos políticos de Cuba aos presos comuns
do Brasil -e endossar os crimes
de uma ditadura.
Agora, ao criticar mais uma
vez a imprensa, comporta-se como quem aspira à unanimidade
-algo que está longe de ser um
padrão democrático.
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