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CARLOS HEITOR CONY
Amai-vos uns aos outros
RIO DE JANEIRO - Começo esta
crônica com um retumbante lugar-comum: todo crime tem uma motivação bestial. Podem-se excetuar
alguns delitos passionais, mas, em
geral, na maioria dos casos, o ser
humano se despoja de sua camada
civilizatória e age como uma besta
fera. Temos em evidência, nos dias
que correm, dois casos que exibem
o lado animal que cada um traz em
algum lugar de sua personalidade.
Após este nariz de cera que não
consegui evitar, entro nos dois casos que ocupam o noticiário da hora: a morte de menina Isabella Nardoni, que está em fase de tribunal
de júri, e o duplo assassinato do cartunista Glauco e de seu filho, por
motivos até agora não bem esclarecidos, apesar de haver a confissão
explicita e quase voluntária do
criminoso.
O primeiro é estarrecedor, o segundo também. O que leva determinado ser humano a matar, às vezes com bárbaros requintes, o seu
semelhante? Privação de sentidos?
Não parece a razão dos dois crimes.
Mesmo abstraindo a falta de intenção prévia, é difícil compreender o
que se passou em ambos os casos.
A menina foi sacrificada barbaramente, segundo todos os indícios,
pelo pai e pela madrasta, em grau
que os jurados dentro de algumas
horas irão determinar e a Justiça
punir. O cartunista e seu filho se dedicavam à solidariedade humana,
não vindo ao caso discutir o processo que a seita do Santo Daime adota. Em ambos os crimes, as vítimas,
além de indefesas, eram inocentes.
Lembro uma estampa piedosa
que vi num quartel da França: uma
cena de guerra, mortos dos dois lados, e a figura do fundador do cristianismo passeando entre os corpos
mutilados pela morte. E a legenda:
"E, no entanto, eu disse: amai-vos
uns aos outros". Não se trata de
uma questão religiosa, mas dolorosamente humana.
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