São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Guerra perdida
JULITA LEMGRUBER
No entanto a ponderação pelo número de usuários revela que as drogas lícitas são de fato muito mais letais: morrem 506 pessoas em cada 100 mil usuários de álcool e tabaco, contra 166 em cada 100 mil usuários de maconha, cocaína, crack e heroína. Além de não impedir que as drogas se tornassem mais baratas, puras e acessíveis, o modelo norte-americano de combate ao narcotráfico contribuiu para abarrotar as prisões, aumentando exponencialmente os gastos da Justiça e do sistema penitenciário. Pior: recente estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que 36% de todos os presos condenados por crimes relacionados com drogas eram pequenos infratores, sem nenhum registro anterior de comportamento violento. A violência que acompanha a expansão do mercado de drogas, nos EUA ou em outras partes do mundo, decorre em grande medida do próprio modelo repressivo adotado, que pode ser descrito, no mínimo, como esquizofrênico: proíbem-se as drogas, mas não as armas de fogo; criminaliza-se o comércio de substâncias menos letais do que o álcool e o tabaco; colocam-se na cadeia milhares de usuários e pequenos traficantes sem nenhuma periculosidade; e, ao mesmo tempo, incentiva-se a guerra generalizada dentro do tráfico e contra ele, o armamento até das polícias e da população, a mobilização de exércitos, a resolução à bala de disputas comerciais. Um estudo do Ministério da Justiça norte-americano admite que os conflitos no interior do mercado de drogas ilícitas, junto com a proliferação das armas de fogo, estão entre os principais determinantes da violência letal naquele país; admite ainda que grande parcela dos homicídios se relaciona ao tráfico e que cerca de dois terços desses homicídios são cometidos com armas de fogo. Mas, mesmo assim, continua a aposta na "guerra" como solução para o problema das drogas. Uma guerra perdida, que gera mais morte e destruição do que evita, que estimula não só a violência, como a corrupção da polícia e dos políticos, contra um mercado capaz de movimentar no mundo US$ 400 bilhões por ano só com a venda de drogas, sem contar os ganhos da indústria de armas. Será isso esquizofrenia ou hipocrisia? O Brasil é hoje exemplo no mundo quando se fala em política de combate à Aids. O sucesso dessa política foi resultado de campanhas corajosas e agressivas, ao longo das quais superamos preconceitos e enfrentamos interesses poderosos. Está mais do que na hora de iniciar um debate sério sobre a descriminalização das drogas, lembrando que, através de campanhas educacionais, também corajosas e honestas, poderemos evitar que pessoas morram pelo abuso de drogas pesadas. Não é com a repressão policial violenta, com gastos de somas fabulosas (que não temos!) ou com campanhas mentirosas que estaremos criando um mundo livre de drogas. Muitas drogas ilícitas já foram legais no passado. Vamos ter que aprender a conviver com elas e desenvolver uma política consistente e consequente de redução dos danos das drogas pesadas. Mais ousadia e menos hipocrisia é do que precisamos para avançar nessa área, como conseguimos indiscutivelmente avançar na luta contra a Aids. Julita Lemgruber, 57, socióloga, é diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes. Foi diretora do Sistema Penitenciário (1991-94) e ouvidora de Polícia (1999-2000) no Estado do Rio de Janeiro. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Fernando Haddad: PSDB e PFL Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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